Como as passerelles desapareceram em Paris e com elas outros negócios

A semana da moda começa nesta segunda-feira com a crise em alguns dos sectores ligados a esta indústria. Em Milão, a Valentino desfilou e a Armani passou na televisão. As marcas decidiram virar costas a Paris.

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Armani agradece no final da apresentação que foi emitida pela televisão Reuters/Gonzalo Fuentes
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Pierpaolo Piccioli fechou o desfile presencial em Milão Reuters/Valentino

Quando a marca de moda sueca Acne Studios apresentou pela última vez um desfile em Paris em Janeiro, encomendou dezenas de tigelas de arroz vegan ao dono do café e fornecedor Pearlyn Lee para modelos e equipa comerem nos bastidores. Desde que a pandemia começou que terminaram pedidos como estes, já que desfiles, apresentações e festas são agora praticamente inexistentes. 

Algumas das maiores marcas do mundo estão de regresso a Paris nesta segunda-feira, mas poucas são as que estão a planear desfiles físicos o que, além dos fornecedores de catering, é também um golpe para outros negócios que giram em torno da indústria da moda, dos maquilhadores e cabeleireiros aos especialistas em iluminação.

“Basicamente, o catering acabou para nós. E não tenho certeza de quando vai voltar ”, declara Lee, que no ano passado expandiu a sua cozinha graças a uma campanha de crowdfunding.

A partir de segunda-feira, 85 marcas apresentarão looks femininos durante a Semana da Moda de Paris. Apenas 19 entre elas Chanel, Christian Dior e Louis Vuitton estão avançando com desfiles físicos. Outras vão fazer pequenas apresentações com hora marcada ou em streaming.

As marcas mais recentes não podem dar-se ao luxo de arrendar grandes espaços para acolher poucas pessoas, como mandam as regras pós-covid-19, ou mesmo de correr o risco de cancelamentos à última hora, explica Sebastien Vienne, da produtora Mephistopheles, que tem 14 clientes – nenhum deles está a organizar eventos para este semana. Num ano normal, cada evento teria custado entre 30.000 a 40.000 euros. “Costumávamos fazer quatro espectáculos por dia, toda a nossa receita vem desses eventos”, refere Vienne.

Filmes e sessões fotográficas

Agora, o caminho não passa pelas apresentações ao vivo mas por chegar aos clientes por via digital. A empresa de Vienne está a produzir filmes ou a fazer sessões fotográficas. Outra linha de negócio é o livestream, ou seja, os eventos gravados a partir dos mesmos cenários onde antes se faziam os desfiles, explica Valerie Taieb da mesma empresa.

Mas mesmo a junção num mesmo espaço de grupos pequenos começa a ser complicado, à medida que os casos de coronavírus em França aumentam e as regras são mais rígidas. “O sector da moda e a indústria de eventos foram realmente esquecidos nesta crise”, declara Taieb, dando o exemplo da sua equipa de cerca de 20 pessoas, que só voltou a trabalhar a meio tempo e está em lay-off.

Na sessão fotográfica para La Metamorphose, no Hotel Le Marois, a modelo Tiffany Fournier, de 25 anos, refere que parte do seu trabalho também desaareceu, embora ainda faça trabalhos para revistas e campanhas publicitárias. “Não faço um desfile na passerelle desde Fevereiro”, lamenta.

Algumas grandes marcas têm vindo a insistir na realização de eventos físicos, em parte para apoiar fornecedores e outras empresas. Por seu lado, os designers também desejam manter contactos com compradores profissionais e meios de comunicação social.

“Há uma energia e uma emoção, há música, a primeira modelo a aparecer na passerelle, aplausos no final”, descreve Alexandre Mattiussi, criador da marca francesa AMI, que quer fazer uma apresentação ao vivo no próximo sabado,, dia 3 de Outubro, com cerca de 150 convidados, em vez dos habituais 600 a 700. 

Valentino escolhe Milão

O grupo de moda italiano Valentino trocou Paris por uma fundição nos arredores de Milão para apresentar a sua última coleção, neste fim-de-semana, numa rara passerelle para um grupo restrito de convidados, todos de máscaras postas.

O desfile abriu a cortina da semana de moda de Milão, que apresentou uma mistura de passerelles físicas e virtuais. Valentino nunca tinha apresentado uma coleção feminina em Milão, e sua última mostra de uma colecção masculina na capital da moda italiana foi em 2007.

“Em tempos normais, estaríamos na Place Vendome em Paris, mas agora aqui estamos todos de máscara”, declarou o designer da marca, Pierpaolo Piccioli. “Quando, no final de Agosto, decidimos ir em frente com a passagem de modelos, pareceu-nos apropriado apoiar a Itália num momento tão difícil e dar o nosso apoio ao sistema de moda italiano”, justificou.

O designer escolheu modelos não profissionais para o desfile, que combinou peças masculinas e femininas para a Primavera/Verão 2021, lançando 66 jovens nas ruas de Milão, Paris e Londres num aceno à diversidade. Cerca de 200 convidados compareceram, ou seja, cerca de um quinto do público habitual para as apresentações de pronto-a-vestir de Valentino.

Com a vivo a música da cantora britânica Labrinth, os modelos desfilaram com uma série de vestidos curtos em preto e branco, peças de chiffon com cores vivas, sobretudos de seda com estampados de flores, além de roupas de dia em renda e crochê. Também havia gangas como parte de um projecto de colaboração com a Levi's para reviver o modelo clássico 517, que se tornou popular no final dos anos 1960.

Armani em horário nobre na televisão

Quarenta e cinco anos depois de fundar seu grupo de moda, Giorgio Armani descobriu uma nova maneira de mostrar as suas últimas criações: um programa de televisão no horário nobre, sábado passado.

O desfile foi um dos destaques da semana de moda de Milão, que apresentou uma mistura de passerelles ao vivo e virtuais nesta sua primeira edição, já que as restrições por causa do coronavírus tornaram mais complicada a mistura inebriante de glamour, celebridade e hype destes eventos.

Armani, de 86 anos, carinhosamente chamado de “Rei Giorgio” no seu país natal, apresentou o seu desfile, “Pensamentos Atemporais” Primavera/Verão 2021 para homem e mulher, usando tons pastéis suaves, estampas florais e bordados intrincados.

O programa, precedido de um curto documentário sobre a carreira de Armani com curadoria do próprio designer, foi veiculado no canal italiano La7, um dos principais canais do país, com o objectivo de chegar a um público mais alargado.

Embora não existisse a tradicional primeira fila, preenchida por personalidades que aplaudem as criações, o estilo limpo e elegante da marca de Armani esteve presente através dos casacos curtos com gola redonda, blusas de seda e organza em cinza claro, bege, azul claro e verde, e os cintilantes vestidos de noite. “Lá fora, o inferno começou, prefiro pensar que podemos manter o inferno lá fora”, declarou Armani sobre a sua colecção, acrescentando que apresentará a próxima em Milão e não em Paris.

A Itália, o primeiro país a ser duramente atingido pelo vírus na Europa, aplicou um dos mais rígidos e longos bloqueios desde o início de Março. Agora, as novas infecções são pouco menos de 2000 por dia, aumentando continuamente, mas abaixo dos níveis vistos em França, Espanha e Grã-Bretanha.

A indústria de moda e têxtil italiana, com uma facturação de 95 mil milhões de euros e 600 mil trabalhadores, é a segunda mais importante do país. De acordo com o lobby empresarial Confindustria, as exportações de moda feminina caíram 24% nos primeiros seis meses do ano.

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