Ministra da Família do Brasil tentou impedir criança violada de abortar

O caso de uma criança que engravidou depois de anos de violações por um tio chocou o Brasil e transformou-se em arma política.

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A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos brasileira, Damares Alves Adriano machado/Reuters

A ministra brasileira da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, exerceu pressão para impedir de abortar uma criança de dez anos violada por um familiar, diz a Folha de São Paulo, que cita pessoas que acompanharam o processo.

O caso da menina de dez anos que engravidou depois de ser violada por um tio numa localidade perto de Vitória, capital do estado do Espírito Santo, foi conhecido no início de Agosto e chocou o Brasil. A criança foi violada durante quatro anos pelo tio e deu entrada num hospital com dores, descobrindo-se estar grávida. O caso arrastou-se durante alguns dias, com um primeiro hospital a recusar-se a realizar o aborto, mas numa outra instituição o procedimento foi autorizado.

Como a generalidade dos assuntos mediáticos no Brasil dos últimos anos também este se tornou objecto de um aceso confronto político. Enquanto organizações de defesa dos direitos da mulher e das crianças, bem como alguns políticos, defenderam o direito da menina em abortar – a lei brasileira prevê o aborto para casos de violação – outros sectores, como a ala mais radical das igrejas evangélicas e a extrema-direita, mostraram-se contra essa possibilidade e incluíram o caso na sua cruzada para proibir o aborto em qualquer circunstância.

O Governo, através do Ministério da Família, acompanhou o caso de perto. Damares Alves enviou vários assessores e aliados políticos para Vitória e chegou mesmo a participar através de vídeo-conferência em algumas reuniões. A missão ministerial teve encontros com a polícia, com a câmara municipal e com o conselho tutelar, um organismo que zela pelos direitos dos menores.

O acompanhamento feito pelo Ministério da Família era conhecido e tinha sido divulgado nas redes sociais durante os dias em que o caso ocupou as manchetes. No entanto, o que não se sabia é que os enviados do Governo insistiram para que a gravidez da criança não fosse interrompida, de acordo com relatos citados pela Folha.

Numa das reuniões, sem que estivesse previsto, quatro mulheres que se identificaram como médicas de um hospital com ligações a uma igreja evangélica, e “pessoas da confiança de Damares”, que é pastora evangélica, propuseram internar a criança e acompanhar a gestação. Perante a rejeição da ideia, os assessores do Ministério da Família assumiram uma “estratégia de intimidação”, de acordo com as fontes do jornal.

O deputado federal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL, de esquerda radical), Marcelo Freixo, apresentou um pedido para que a ministra compareça perante o Congresso para explicar a sua actuação durante o caso.

A criança acabou por poder interromper a gravidez, mas não sem antes a sua identidade ter sido revelada por Sara Giromini, uma conhecida militante de extrema-direita, que organizou um protesto à porta do hospital onde decorreu a intervenção. Há suspeitas de que a extremista tenha tido acesso à informação por via do Ministério da Família, mas esta semana Damares Alves disse pôr a “mão no fogo” pelos seus assessores em relação a esse assunto.

Numa entrevista na semana passada, a ministra criticou a opção pelo aborto, dizendo que os médicos deveriam ter aguardado mais algumas semanas e depois fazer uma cesariana. “Se sobreviver, sobreviveu. Se não, teve uma morte digna”, afirmou Damares Alves.

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