Marketing é o novo jornalismo (pelo menos, no Brasil)

É sempre importante recordar que o governo Bolsonaro é suspeito de um comandar uma rede de disseminação de notícias falsas.

Com a ideia de que jornalistas servem para proteger, políticos brasileiros usam da censura à agressão para conter denúncias

Durante a última década, o papel do jornalismo sofreu diversas alterações. Com o crescimento das redes sociais e o advento assombroso do marketing digital, o jornalismo passou a flertar com aquilo que sempre foi o seu oposto: a publicidade.

Uma rápida pesquisa por vagas de trabalho no LinkedIn nos escancara o que se espera do novo jornalista: alguém que saiba teses de marketing, métricas de engajamento digital e que seja criativo suficiente para fazer tudo viralizar na internet. Assim, nasceu o papel do produtor de conteúdo.

Confesso que até hoje não sei o que faz um produtor de conteúdo. Este termo extremamente abrangente apenas me parece um álibi para qualquer pessoa escrever sobre qualquer assunto. Afinal, não é mais necessário ser um especialista ou consultar um para disseminar alguma informação. Sob a denominação de produtor de conteúdo está a liberdade para não haver compromisso com nada.

O Governo brasileiro, por sua vez, também considera antiquada essa história de jornalista apurar, reportar e denunciar. “Vontade de encher tua boca de porrada, tá? Seu safado!”, exaltava-se o presidente Jair Bolsonaro ao ser perguntado o motivo da esposa dele, Michelle Bolsonaro, ter recebido 89 mil reais de Fabrício Queiroz, principal nome do esquema de “rachadinha” que envolve a família. Um tratamento hostil que marca a relação do clã Bolsonaro com a imprensa e, cada dia mais, se ramifica nos outros núcleos políticos do Brasil. Para eles, jornalismo parece servir apenas para fazer marketing.

Antes de qualquer coisa, é sempre importante recordar que o governo Bolsonaro é suspeito de um comandar uma rede de disseminação de notícias falsas. O chamado “gabinete do ódio” seria o grupo responsável por espalhar fake news e atacar opositores de forma virtual. Um esquema que faria qualquer recrutador do LinkedIn sentir inveja da habilidade desses produtores de conteúdo em trabalhar com algorítmicos de engajamento e, principalmente, robôs. Porém, como a investigação da Polícia Federal cada vez mais próxima de expor toda a rede de notícias falsas, a munição utilizada para conter o jornalismo profissional também teve que se atualizar. Ou melhor, nem tanto... O método é um velho conhecido: a censura prévia.

No fim de agosto, o Jornal GGN, editado pelo experiente jornalista brasileiro Luis Nassif, foi condenado a retirar de circulação 11 matérias sobre irregularidades do banco privado BTG Pactual, sob pena de multa diária de R$10.000 em caso de descumprimento. A mais chamativa das denúncias abordava a compra de uma parcela da carteira de créditos do Banco do Brasil, uma instituição pública. O BGT Pactual, que tem como um dos fundadores o atual ministro da economia, Paulo Guedes, comprou por R$371 milhões uma carteira de crédito que seria avaliada em R$3 bilhões. As suspeitas de favorecimento foram claras, mas não tão evidentes quanto a censura prévia aplicada ao jornal, que está proibido pela justiça de publicar qualquer novo material sobre o BGT Pactual.

Em 4 de setembro, foi a vez da TV Globo também ser censurada. A principal emissora do Brasil foi proibida de divulgar qualquer documento da investigação das “rachadinhas” que atinge o senador – e filho do presidente – Flávio Bolsonaro.

“Acabo de ganhar liminar impedindo a #globolixo de publicar qualquer documento do meu processo sigiloso. Não tenho nada a esconder e expliquei tudo nos autos, mas as narrativas que parte da imprensa inventa para desgastar a minha imagem e a do presidente Jair Bolsonaro são criminosas”, comemorou Flávio Bolsonaro, em um texto publicado nas redes sociais. Por sua vez, a TV Globo divulgou que irá recorrer da decisão.

Se a censura foi a munição da família Bolsonaro no caso anterior, a Prefeitura do Rio decidiu inclusive antecipar-se a isso. O método utilizado desta vez foi mais semelhante a vontade de Bolsonaro em agredir jornalistas que tentam fazer qualquer trabalho de apuração. No começo do mês, a TV Globo denunciou um esquema institucional de ataque a imprensa. No caso, funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro organizavam-se em grupos do WhatsApp para impedir apurações e reportagens na frente de hospitais da cidade. O telefone do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, inclusive fazia parte de um dos grupos.

O papel dos “Guardiões de Crivella” – título de um dos grupos do WhatsApp - era realmente coagir de maneira agressiva o trabalho dos jornalistas. Marcos Luciano, assessor especial do gabinete do Prefeito, era o responsável pelo gerenciamento de todo o grupo, a receber o salário de quase 3 mil euros por mês. Outras 22 pessoas foram identificadas como participantes do bando de repressão à imprensa, além de 11 funcionários do alto escalão do governo municipal.

E para demonstrar - mais uma vez – que o Brasil não é para amadores, o prefeito Marcelo Crivella, até o momento, se safou de qualquer punição política. Um pedido de impeachment foi protocolado na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, porém a abertura do processo foi negada em uma votação apertada: 25 votos a 23. Apenas a título de curiosidade, Carlos Bolsonaro – outro filho do presidente do Brasil – foi um dos que votou contra o impeachment.

Fim!

Quer dizer, ainda não.

Ainda temos o último caso opressão a liberdade de expressão. No entanto, desta vez não a um jornalista, mas a um humorista. A parte curiosa é que a retaliação vem de quem deveria exatamente apoiar esse tipo de arte.

Na última semana, o guionista e ator Marcelo Adnet satirizou a participação do Mário Frias, ex-ator e atual Secretário Especial da Cultura, em uma campanha audiovisual que exalta os heróis brasileiros. Sem gostar da brincadeira, Frias atacou Adnet via redes sociais: “Garoto frouxo e sem futuro”. Em outra parte, o ministro ameaçou o comediante: “Onde eu cresci, ele não durava um minuto”. A Secretaria de Comunicação, órgão oficial do Governo, também publicou criticas ao humorista.

Deste modo, com censuras na justiça ou ameaças organizadas, a política brasileira demonstra não entender que o jornalismo não serve para servi-los. Para isso, que se contrate profissionais de marketing, publicitários ou até advogados, como é o caso de Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social do Brasil – um órgão que deveria informar, mas apenas protege. Aliás, perdão, projete não: “produz conteúdo”.

Obs. Claro, a própria imprensa também tem uma parcela culpa, mas isso já foi assunto em uma coluna de opinião passada.

Sugerir correcção