O Brasil e Portugal, aos 198 anos da independência
O Brasil, hoje, esforça-se por suplantar os efeitos de uma pandemia que nos afetou a todos, e que ao longo dos últimos meses cobrou um preço doloroso em vidas, em esforço, em progresso material. Como noutras provações de uma história já quase bicentenária, saberá transpor esse percalço com trabalho e fé
Hoje, 7 de setembro de 2020, celebramos os 198 anos da Independência do Brasil.
Para brasileiros e portugueses, a história é conhecida, e a recente efeméride do bicentenário da Revolução do Porto contribuiu para avivar nossas memórias. Naquela data, em 1822, o príncipe regente Dom Pedro tomou conhecimento de uma nova leva de decretos, emanados das Cortes de Lisboa, que punham em questão a autonomia do reino do Brasil. Em lugar de submeter-se, Dom Pedro optou por declarar a independência do reino, que em breve tornou Império.
Este relato — palavras mais, palavras menos — é o que aprendemos todos na escola primária. Entretanto, esse exíguo recorte temporal termina por ocultar um aspecto essencial para os que, como nós, comemoramos aquela data em solo português.
E com efeito: do processo que levou à Independência do Brasil, tanto quanto os fatores que terminaram por separar-nos, há que salientar também os que continuaram a unir os portugueses e brasileiros em destino e em sentimento.
Sob muitos aspectos, esses fatores fizeram do Brasil um caso singular nas Américas. O principal deles estará encarnado no agente da ruptura: príncipe herdeiro de Portugal, Dom Pedro I foi Imperador do Brasil e viveu para ver triunfarem, nas duas margens do Atlântico, os ideais liberais que legou a brasileiros e portugueses, nas Cartas gêmeas de 1824 e 1826.
Nos quase dois séculos seguintes, o Brasil alcançou progressos notáveis, até tornar-se uma das maiores potências económicas do planeta. Nesse processo, a criatividade e energia de seu povo deixaram marcas profundas na cultura universal — com sua música e sua dança, sua literatura e sua produção audiovisual, seu particular pendor para expressar beleza através do esporte.
Tudo isso faz parte da essência brasileira. Mas uma das pré-condições para esses avanços, e pré-requisito para o que ainda nos falta alcançar, vamos encontrá-los na obra fecunda dos portugueses na América: a preservação de um imenso território unificado onde, por sobre todas as particularidades, pairou sempre — ao menos como germe e como potencialidade — uma identidade comum gestada pela língua.
O Brasil, hoje, esforça-se por suplantar os efeitos de uma pandemia que nos afetou a todos, e que ao longo dos últimos meses cobrou um preço doloroso em vidas, em esforço, em progresso material. Como noutras provações de uma história já quase bicentenária, o Brasil saberá transpor esse percalço com trabalho e fé. O país tem recursos e talentos suficientes para tanto: bastará mencionar que, com o que produz, está em condições de alimentar uma parcela cada vez mais substancial da humanidade, num momento em que as carências mais básicas voltam a exigir a atenção de todos os povos.
Parte integrante da comunidade dos povos livres, o Brasil quer superar essa etapa, e prestar a sua contribuição devida, em colaboração com os povos amigos e irmãos. Dentre estes, sobressai-se naturalmente o povo português, ao qual nos ligam tantos laços de afeto, tantos valores e interesses compartilhados. Na medida em que recupere o dinamismo económico que foi a marca de quase toda a sua história, o Brasil saberá construir, em parceria com Portugal, um futuro que honre essa história comum de amizade e integração — no comércio e nos investimentos, nos intercâmbios humanos, na celebração de afinidades calcadas numa língua que é, dentre todos, o melhor legado que nos deixaram os portugueses.
É, portanto, à luz desses desafios e dessas esperanças compartilhadas que hoje celebramos a memória dos homens e mulheres que, ao longo de 198 anos, tornaram realidade o que em 1822 germinava como potencial.
Ao prestar o tributo devido aos grandes vultos de nossa história, faço um apelo aos meus compatriotas aqui radicados, que com seu esforço contribuem tanto para o progresso de Portugal: que, ao festejar nossa independência, jamais percamos de vista o que portugueses e brasileiros construímos juntos, na grande aventura humana que tem sido este nosso projeto nacional.
Felicito-me, por fim, com os incontáveis portugueses que, amigos sinceros de meu país, tornam muito mais fácil e gratificante a missão de representar o Brasil em Portugal.