Recuperar Portugal: educação

Claro que é preciso dinheiro para fazer estas duas coisas: dar outra centralidade à escola nas comunidades locais e nos seus territórios; revolucionar a sala de aula para a tornar mais activa e mais diversa.

Enquanto a grande parceria (escolas, famílias, Estado) continua a preparar o próximo ano lectivo, temos de pensar também no tempo mais longo da recuperação social e económica. Num exercício de reflexão estratégica pensamos sempre em muitas camadas da realidade, mas a sua tradução em acção política exige prioridades pouco numerosas e decisivas. Proponho que, para a Educação, precisamos de dois focos: fazer evoluir a inserção da escola na comunidade local; revolucionar a sala de aula.

Assumir que as escolas não são apenas máquinas de transmitir conhecimentos e que devem assumir-se como instituições vitais nas comunidades exige, por exemplo: dar-lhes mais ferramentas de autonomia (também face ao poder político nacional ou local); enraizar os profissionais da educação nas escolas, dando estabilidade a cada profissional e aos projectos educativos (cada escola podendo atrair recursos necessários à sua especificidade); rejuvenescer o corpo docente, mas evitar um corte geracional brusco (permitir aos professores mais antigos modular as suas tarefas para aproveitar o melhor da sua experiência, em vez de os estimular a partir); dotar as escolas de meios para serem pólos de irradiação cultural nos seus territórios, até para aprofundar sinergias entre educação de jovens e de adultos; focar as escolas nas suas missões essenciais, fazer da desburocratizando da sua relação com a Administração a próxima prioridade do Simplex, o que libertaria uma imensa energia para o essencial (ensinar).

Para avançarmos mais no combate ao abandono e ao insucesso temos de enfrentar o maior escolho nesse caminho: a desafeição de tantos alunos pelo aprender na escola. Por maior que seja o esforço, nada frutifica sem a adesão real do aluno. Para dar a volta a este problema temos de agarrar os alunos na sua diversidade. A escola não pode puxar só pelos que gostam de matemática ou literatura. Há-de puxar também pelos que preferem a actividade física, as artes, a experimentação laboratorial, as actividades práticas. Não para fechar ninguém nas preferências iniciais, mas para as usar como âncoras de novas descobertas. Para conseguir isto é preciso (além de facilitar a articulação entre as modalidades já existentes) revolucionar a sala de aula. Transformar salas fisicamente desenhadas para ouvir em salas desenhadas para agir: em equipa, em configurações variáveis, com recursos diversos e partilhados. E salas de aula activas também no sentido de mais atentas ao mundo cá fora, às questões quentes na sociedade: levar a sala de aula para fora da sala de aula.

Claro que é preciso dinheiro para fazer estas duas coisas: dar outra centralidade à escola nas comunidades locais e nos seus territórios; revolucionar a sala de aula para a tornar mais activa e mais diversa. É preciso investir mais na acção social, na modernização das escolas, nos profissionais da educação. Investir na desburocratização. Mas esse investimento vale a pena, porque ajudará a fazer da escola um instrumento cada vez mais decisivo para interromper a reprodução das desigualdades sociais, mais do que hoje se consegue. Para que cada criança ou jovem possa ser tudo aquilo que os seus talentos e esforço permitam, seja qual for o berço em que tenha nascido. É que a desigualdade e a pobreza, além de fazerem mal à nossa humanidade, também fazem mal à economia. A recuperação de Portugal precisa disso: quer para termos melhor economia, quer para avançar mais em direcção a uma sociedade decente.

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