Metade das crianças refugiadas não vai à escola e a covid-19 pode agravar o cenário

Relatório da ONU prevê um aumento do número de crianças que não frequentam estabelecimentos de ensino e pede “medidas imediatas e ousadas” à comunidade internacional. Raparigas são as mais prejudicadas.

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Crianças sírias, refugiadas no Líbano MOHAMED AZAKIR/Reuters

Um relatório das Nações Unidas, divulgado nesta quinta-feira, conclui que metade das crianças refugiadas em todo o mundo não frequenta um estabelecimento de ensino. Um número que pode, no entanto, aumentar ainda mais, devido à pandemia de covid-19, que veio dificultar ainda mais o regresso às aulas.

No relatório intitulado Juntos pela Educação dos Refugiados, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) revela que, “se a comunidade internacional não tomar medidas imediatas e ousadas para contrariar os efeitos catastróficos da covid-19 na educação dos refugiados”, estas comunidades vulneráveis ficarão ainda mais ameaçadas.

O documento foca-se na região africana do Sahel (Senegal, Gâmbia, Mali, Níger, Argélia, Burkina Faso, Mauritânia, Camarões, Nigéria, Chade, Sudão, Sudão do Sul, Eritreia, Somália, Djibuti e Etiópia), onde “a violência forçou o encerramento de mais de 2500 escolas, que suspenderam a educação de cerca de 350 mil estudantes”.

Ressalvando que, embora todas as crianças da grande maioria dos países do globo tenham sofrido o impacto da covid-19 na sua educação, o ACNUR concluiu que “as crianças refugiadas têm sido particularmente desfavorecidas”.

“Antes da pandemia, uma criança refugiada tinha o dobro da probabilidade de estar fora da escola do que uma criança não refugiada. Esta situação vai agravar-se, pois muitos podem não ter uma oportunidade de retomar os estudos devido ao encerramento de escolas, dificuldades em pagar propinas, uniformes ou livros, falta de acesso a tecnologias ou porque estão a ser obrigados a trabalhar para apoiar as suas famílias”, lê-se no documento.

Segundo o alto-comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi, “metade das crianças refugiadas em todo o mundo já estava fora da escola”.

“Depois de tudo o que sofreram, não podemos roubar-lhes o seu futuro, negando-lhes hoje uma educação”, acrescentou, defendendo “formas inovadoras” de proteger os ganhos alcançados na educação dos refugiados ao longo dos últimos anos, através de um maior apoio internacional.

Numa nota final do relatório, o futebolista egípcio Mohamed Salah — embaixador da ACNUR para o Programa Escolas da Rede Instantânea e a Fundação Vodafone — afirmou: “Assegurar hoje uma educação de qualidade significa menos pobreza e sofrimento amanhã.”

“A menos que todos desempenhem o seu papel, gerações de crianças — milhões delas em algumas das regiões mais pobres do mundo — enfrentarão um futuro sombrio. Mas se trabalharmos como uma equipa, podemos dar-lhes a oportunidade de terem um futuro digno. Não vamos perder esta oportunidade”, apelou o atleta do clube inglês Liverpool F.C. e da selecção de futebol do Egipto.

Raparigas mais afectadas

Os dados do relatório baseiam-se nos relatórios de doze países que em 2019 acolhiam mais de metade das crianças refugiadas do mundo.

Na escola primária estão matriculadas 77% das crianças refugiadas, uma percentagem que desce para 31% no ensino secundário e para 3% no ensino superior. Estas estatísticas representam, no entanto, um progresso, uma vez que em 2019 as matrículas no ensino secundários aumentaram 2%.

Contudo, a pandemia de covid-19 ameaça agora destruir este e outros avanços cruciais.
Para as raparigas refugiadas, a ameaça é particularmente grave, uma vez que já têm menos acesso à educação do que os rapazes e têm metade da probabilidade de estarem matriculadas na escola quando atingirem o nível secundário.

Com base em dados do ACNUR, o Fundo Malala estimou que, em resultado da covid-19, metade das raparigas refugiadas na escola secundária não regressará quando as salas de aula reabrirem este mês.

Para países onde a matrícula das raparigas refugiadas no ensino secundário já era inferior a 10%, todas elas estão em risco de desistir definitivamente — uma previsão arrepiante que teria um impacto para as gerações vindouras, advertem os autores do relatório.

“Estou especialmente preocupado com o impacto nas raparigas refugiadas. Não só a educação é um direito humano, mas também a protecção e os benefícios económicos para as raparigas refugiadas, as suas famílias, e as suas comunidades de educação são claros”, sublinhou Filippo Grandi.

E acrescentou: “A comunidade internacional não pode simplesmente falhar em proporcionar-lhes as oportunidades da educação.”

A adaptação às limitações impostas pela covid-19 tem sido especialmente dura para 85% dos refugiados do mundo que vivem em países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos.

Telemóveis, tablets, computadores portáteis, conectividade, e até mesmo aparelhos de rádio, não estão muitas vezes disponíveis para as comunidades deslocadas.

O relatório mostra ainda como as famílias, comunidades e governos estão a trabalhar para proporcionar educação às crianças refugiadas.