Microfones e honradez

A aposta no vale-tudo em jornalismo é um sinal das desgraças que podem chegar — o jornalismo enveredar pela intervenção política escondida ou travestida. Tal significará juntar à desconfiança reinante na política mais desconfiança.

Há homens e mulheres que de tudo se servem para atingir os seus fins, o que até pode não ser um mal. Mas quando para atingir um fim enveredam por certas condutas tornam-se tão ou mais rasteiros que os repteis.

O primeiro-ministro é o cidadão que dirige o país e uma entrevista por si dada concita a atenção dos mais preocupados com o destino dos portugueses. A entrevista concedida ao Expresso teve, como quase todas, um tempo “morto” que é aquele em que o entrevistado fala com os entrevistadores à solta, seguro que o microfone não regista e se regista é de imediato apagado. Quando no início é um aperitivo normalmente mais picante para a entrevista. Dá pistas num registo livre. A cortina que se abre serve para os entrevistadores se situarem melhor na latitude do entrevistado. Quando é no final trata-se de uma deferência para se dizer o que se não disse on the record. É um terreno de honra, o que ali se passa é apenas de quem lá está. É um Tratado de seriedade.

A não ser assim trata-se de uma armadilha para apanhar o entrevistado que julga que o terreno está livre dessas ratoeiras. Tal conduta mostra até que ponto pode chegar a rasteirice humana. Até que ponto se está disposto a chegar para apresentar um troféu. Todos dizemos coisas que não diríamos, se soubéssemos que iria ser divulgado.

Não estão em causa as misérias que os responsáveis pelo Lar de Reguengos foram capazes, nem a atitude sobranceira da ministra a propósito do relatório da Ordem dos Médicos. A Dra. Ana Godinho é capaz de não ter a verdadeira noção do que é ser ministra do Trabalho e da Segurança Social. Talvez Vieira da Silva não tenha tido tempo para lhe fazer o desenho. O que se passou no Lar de Reguengos assusta.

Também é discutível o modo como o Sr. primeiro-ministro defendeu a Dra. Ana Godinho e a trapalhada com que pretendeu esconder o desplante da ministra.

Há que pensar no modo como a sociedade no seu conjunto trata os velhos, levando-os para as diversas despensas para os empacotar, sendo certo que no caso de Reguengos os subsídios (quase milhão e meio de euros) permitem pensar que a sorte daqueles nossos concidadãos não tem a ver com falta de verbas que a Segurança Social providenciou, mas antes com graves falhas, no mínimo. Tudo isto é verdade, mas as graves incúrias dos governantes não podem servir para perpetrar uma canalhice da altura do castelo no cimo de Monsaraz.

Um homem ou uma mulher ou ambos os entrevistadores ao acolherem António Costa sabiam, melhor que ninguém, que o que diz off record é um selo de confiança que não se pode atraiçoar. É próprio de gente cujas opiniões se subalternizam face ao código de honra que há dezenas de anos jornalistas e entrevistados estabeleceram.

A aposta no vale-tudo em jornalismo é um sinal das desgraças que podem chegar — o jornalismo enveredar pela intervenção política escondida ou travestida. Tal significará juntar à desconfiança reinante na política mais desconfiança.

A explicação do Expresso só mostra até que ponto aquele jornal foi capaz de chegar a um descontrolo daquela envergadura. A magnitude da desonra é tão elevada que a ser como foi, o diabo que escolha entre a sacanice e a incúria. E ficam muito mal os media que divulgaram a conversa off the record. Usaram a incúria ou a pulhice para atacar António Costa. Vão a caminho das sarjetas. Estão a destruir o jornalismo. Expressamente.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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