Tribunal especial condena membro do Hezbollah pelo assassínio de Rafiq Hariri

Juízes dizem que não há provas suficientes para condenar os outros três suspeitos pela explosão que matou Hariri e outras 21 pessoas em Fevereiro de 2005.

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Juiz presidente David Re e a juíza Janet Nosworthy na sala de audiências do tribunal, perto de Haia EPA/Piroschka van de Wouw

O tribunal especial que julgou o assassínio do antigo ministro libanês Rafiq Hariri considerou o principal suspeito, Salim Jamil Ayyash, culpado das acusações de assassínio e atentado terrorista na enorme explosão que há mais de 15 anos matou o político libanês e outras 21 pessoas em Beirute.

Os outros três acusados, Hassan Habib Merhi, Hussein Hassan Oneissi e Assad Hassan Sabra, foram declarados inocentes do crime que em Fevereiro de 2005 deixou o país em choque e levou à saída das forças sírias do Líbano. Os acusados foram julgados à revelia, o seu paradeiro é desconhecido (o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse que nunca seriam levados a tribunal, nem em “300 anos”).

O veredicto do tribunal criado com o apoio da ONU foi o culminar de uma sessão de mais de quatro horas em que foi detalhado o processo de vigilância do antigo primeiro-ministro Rafiq Hariri, um veredicto originalmente com 2700 páginas do qual foi feito um resumo de 150 páginas.

O trabalho da acusação assentou na análise de dados de vários telemóveis, anónimos, e que contactavam apenas uns com os outros. Ainda que fosse possível estabelecer que alguns eram usados como telefones secundários, não foi possível ultrapassar a “dúvida razoável” de que apenas foram usados pelos suspeitos. Mais, mesmo a vigilância feita durante meses a Rafiq Hariri não pode ser ligada sem sombra de dúvidas ao assassínio: quem a levou a cabo poderia pensar tratar-se apenas de vigilância e não da preparação de um assassínio.

Os juízes disseram que as provas mostram que o principal acusado, Salim Jamil Ayyash, tinha “um dos seis telefones usados pela equipa encarregada do assassínio”, a que chamaram a equipa vermelha, e foi por isso condenado por cometer um homicídio e um atentado terrorista. Ayyash era membro do Hezbollah.

Motivação política

O tribunal falou ainda de uma clara motivação política do crime, notando que Hariri se preparava para disputar eleições. Hariri, o multimilionário sunita que foi a cara da reconstrução do Beirute após a guerra civil (1975-1990), tinha ligações próximas com os EUA e aliados ocidentais e do Golfo, e era visto como uma ameaça à influência no Líbano do Irão (que financia o Hezbollah) e da Síria (que na altura tinha não só influência mas presença militar no país).

E seriam Teerão e Damasco que teriam razões para assassinar Hariri. No entanto, “não há provas de que a liderança do Hezbollah tenha tido qualquer envolvimento no assassínio de Hariri e não há prova directa do envolvimento sírio”, disse o juiz David Re.​

O Hezbollah sempre desacreditou o tribunal internacional, dizendo que fazia parte de um complot internacional contra si. 

O anúncio do veredicto, que estava marcado para a semana da explosão no porto de Beirute, e foi por isso adiado, era aguardado com expectativa. Mas a explosão mudou muito: se por um lado, levou a um fortalecimento da reivindicação de justiça independente, por outro, diminuiu a importância deste veredicto, com o foco agora na investigação à explosão no porto, e um medo generalizado de que esta não seja imparcial e que os mais altos responsáveis sejam poupados.

Nadim Houry, do centro de estudos Arab Reform Initiative, comenta que o equivalente a este veredicto seria “se depois do 11 de Setembro um tribunal considerasse culpados os pilotos dos aviões mas não tivesse ideia nenhuma sobre quem ordenou o ataque”.

Aos mistérios que ficaram por responder junta-se o do destino do jovem que filmou uma reivindicação do ataque, que se provou falsa — sabe-se apenas que não foi ele o bombista suicida e que desapareceu; o tribunal diz que a hipótese mais provável é que esteja morto, mas não há qualquer prova. Quanto ao verdadeiro bombista suicida, não há qualquer indicação de quem seja.​

O veredicto, lembra o New York Times, está a anos-luz do que relataram investigadores das Nações Unidas enviados a Beirute após a explosão do camião-bomba, que deixou uma cratera de dois metros de profundidade e dez de diâmetro: estes relataram uma conspiração que requereu “apoio logístico substancial”, financiamento considerável e “precisão militar na sua execução”. 

Uma segunda investigação liderada pelo magistrado alemão Detlev Mehlis ainda de 2005 mencionava 20 suspeitos, incluindo vários altos responsáveis libaneses e sírios. Mehlis concluiu a sua missão após seis meses, depois de ter sido avisado de dois planos para o assassinar. 

Mais tarde, em 2008, um investigador dos serviços secretos libaneses, que foi essencial na descoberta da rede dos telefones móveis anónimos dos operacionais do Hezbollah, foi assassinado num ataque com um carro-bomba.

Houry também diz que o veredicto será visto pelas diferentes facções libanesas pelo ângulo que mais lhes interessa: “Alguns vão sentir-se vingados pela condenação de Ayyash e outros vão sublinhar a absolvição dos outros suspeitos e o facto de não haver provas de que o Hezbollah ordenou o assassínio.”

O filho de Rafiq Hariri, Saad, que foi primeiro-ministro até Janeiro, assistiu à leitura da sentença e no final declarou que a aceitava, mas acrescentou que esperava que fosse feita justiça, pedindo ao Hezbollah que “oferecesse sacrifícios”, visto que o assassino pertencia ao movimento, segundo o diário libanês Daily Star.

O movimento xiita é conhecido pela disciplina e cadeia de comando como se fosse um exército, daí que outro filho de Hariri, Bahaa Hariri, tenha declarado achar “inconcebível” que membros de um movimento do Hezbollah “fossem tomar café e decidissem de moto próprio assassinar Hariri”, uma das mais importantes figuras políticas do país.

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