Torne-se perito

Relatório da ONU acusa a Síria e ameaça a dinastia Assad

Depois de os investigadores da ONU terem acusado a Síria e os seus aliados libaneses da autoria do assassínio de Rafiq Hariri, americanos e franceses vão propor ao Conselho de Segurança sanções contra a Síria. O regime de Assad está ameaçado. Por Jorge Almeida Fernandes

O relatório da comissão de inquérito da ONU ontem entregue ao Conselho de Segurança por Kofi Annan implica directamente altos responsáveis da Síria e do Líbano na organização do atentado que matou o dirigente libanês Rafiq Hariri, em Fevereiro passado. São referidos os nomes do cunhado e do irmão do Presidente sírio, Bashar al-Assad. Damasco nega veementemente. Está aberta uma nova crise no Médio Oriente."Há provas convergentes que mostram (...) a implicação libanesa e síria neste acto terrorista", escreve o responsável do inquérito, o juiz alemão Detlev Mehlis. Kofi Annan informou o Conselho de Segurança de que decidiu prolongar as investigações da comissão até 15 de Dezembro.
A passagem mais explosiva, incluída na versão inicialmente distribuída e depois retirada da versão oficial, cita os nomes de Assef Shawkat, cunhado de Assad e chefe das informações militares, e de Maher al-Assad, irmão do Presidente, como fazendo parte de um grupo de responsáveis dos serviços de segurança sírios e libaneses que "decidiram assassinar" Hariri, desde Setembro de 2004, devido ao seu apoio à resolução 1559 da ONU contra a presença militar síria no Líbano (ver texto ao lado). Mehlis disse aos jornalistas que esta passagem foi retirada da versão oficial porque a acusação era feita por uma única fonte e não pôde ser confirmada.
Na próxima semana, o Conselho de Segurança analisará o cumprimento da resolução 1559 pela Síria, ao mesmo tempo que Paris e Washington preparam resoluções contra Damasco. "É preciso tirar todas as consequências" do relatório, disse o porta-voz do MNE francês. John Bolton, embaixador americano na ONU, declarou que o relatório é "um documento histórico" e concluiu: "Não pode haver a mínima dúvida de que ele exige uma reacção vigorosa do Conselho de Segurança."
Em declarações à televisão Al-Jazira, o ministro sírio da Informação, Mehdi Dakhlallah, acusou o relatório de ser "um manifesto político contra a Síria", de ser "parcial" e "político a cem por cento", baseado em "testemunhas conhecidas pela sua hostilidade à Síria".
Em Israel, o vice-primeiro-ministro Shimon Peres comentou: "Se é verdade que o governo está envolvido no assassínio, isso abalará o domínio dos Assad." Não é "natural ou aceitável" que uma família, representando uma minoria, domine a Síria "de uma forma brutal".

Tensão em BeiruteA capital libanesa estava ontem sob discreta mas severa vigilância militar. O relatório levanta graves suspeitas em relação ao Presidente Emile Lahoud, que imediatamente negou todos as referências que lhe são imputadas. Dois deputados da maioria anti-síria declararam que ele se deveria demitir e apelaram à população para que se manifestasse junto da sepultura de Hariri.
O primeiro-ministro, Fuad Siniora, recusou-se a comentar o relatório. Mas, na véspera, declarara ao diário francês Le Monde que era favorável a um julgamento internacional para o processo Hariri por uma questão de "credibilidade".
A imprensa de Beirute, à excepção da do Hezbollah, saúda o relatório. "Amanhã o contágio da verdade espalhar-se-á do Líbano a todo o mundo árabe, incluindo a Síria", escreve por exemplo o popular Al Nahar. Contudo, na véspera, advertia Michael Young no anglófono The Daily Star: "Com a verdade vêm tempos duros. (...) O impacto do relatório Mehlis pode levar a uma estabilidade a longo prazo, mas antes disso o caminho será difícil. (...) A liderança síria está a lutar pela vida" e os EUA não querem perder a oportunidade de marcar pontos, a pensar no Iraque. Opinião semelhante exprimiu Mouna Naïm, enviada do Monde: "A primeira consequência será acentuar a polarização política interna do Líbano."

O dilema de DamascoAyman Abdelnour, um analista independente sírio, resumiu à AFP o dilema da Síria: "Se ela coopera totalmente, como deseja a comissão de inquérito da ONU, isto poderá constituir um atentado à soberania nacional, com o risco que comporta o sacrifício de altos responsáveis. Se recusa cooperar, é todo o país que pode ser objecto de eventuais sanções."
Em Setembro, "a crer na imprensa síria", Assad terá tentado um compromisso com os EUA, escreveu Michael Young. O relatório da ONU pouparia a Síria e esta inclinar-se-ia perante as exigências americanas no Iraque, no Líbano e em relação aos palestinianos. A ser verdade, falhou.
Damasco está isolada no mundo árabe e, ao contrário do caso do Iraque, os EUA estão aliados à França e têm o acordo de Moscovo. Há indícios de que Washington aposta na mudança do regime, o problema está em descobrir a alternativa. Muitos temem o efeito de uma desagregação política. O diário israelita Ha"aretz apelava ontem a que os americanos não saiam da via diplomática e evitem aventuras militares. "Assad não é um governante esclarecido (...). Mas as alternativas a este regime não são necessariamente as melhores. Os opositores do regime representam ideologias extremistas, religiosas ou não religiosas."
A secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, garantiu ontem que "o Conselho de Segurança deverá ser o ponto central" de toda a acção contra Damasco.

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