Bernard Stiegler: o filósofo que repensou a nossa relação com a tecnologia

Director do departamento de desenvolvimento cultural do Centre Georges Pompidou e fundador do grupo de reflexão Ars Industrialis, descobriu a filosofia na prisão. Tinha 68 anos.

Foto

O filósofo Bernard Stiegler, que considerava a técnica como constituinte do humano e trouxe a relação com a tecnologia para o centro das suas reflexões, morreu esta quinta-feira aos 68 anos.

Doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em 1993, sob orientação de Jacques Derrida, com a primeira parte de um vasto work in progress filosófico a que chamou A Técnica e o Tempo, Stiegler foi professor da Universidade de Compiègne de 1988 a 2001, ensinava em universidades de vários países, e dirigia desde 2006 o departamento de desenvolvimento cultural do Centro Georges Pompidou, em Paris, depois de ter dirigido nos anos anteriores o IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique).

Stiegler fundou ainda em 2005 a associação internacional Ars Industrialis, que gere um importante grupo de reflexão filosófica empenhado em renovar o modo como pensamos a nossa relação com as tecnologias digitais.

Mais recentemente, o filósofo tornara-se presidente da Associação de Amigos da Geração Thunberg, e o seu último livro, publicado já este ano, é justamente um ensaio dedicado à jovem ambientalista sueca: La Leçon de Greta Thunberg.

Se Stiegler era hoje visto como um dos filósofos mais apetrechados para discutir as rupturas sociais e psíquicas provocadas pelo capitalismo digital, que considerava responsável por uma “proletarização” da própria mente humana e por uma crescente ausência colectiva de esperança, foi de modo um tanto irregular que o seu percurso biográfico o levou à filosofia.

Filosofia na prisão

Nascido em 1952 em Essone, na região da Île-de-France, Steigler, filho de um electricista e de uma funcionária bancária, abandonou a meio os estudos liceais, frequentou durante algum tempo um curso de assistente de realização e, finalmente, concluiu em 1973 um estágio no instituto nacional francês dedicado à investigação em ciências digitais e tecnologia, então designado IRIA. Tendo-se tornado militante do Partido Comunista Francês na ressaca do Maio de 1968, trabalhou como operário agrícola e exerceu vários outros ofícios, até que, em 1976, resolveu assaltar um banco à mão armada. Seguiram-se outros assaltos, que terminaram quando foi apanhado em flagrante pela polícia e condenado a oito anos de prisão, dos quais veio a cumprir cinco.

Foi durante esses anos de encarceramento, entre 1978 e 1983, que prosseguiu estudos de filosofia por correspondência na Universidade Toulouse II, com o apoio de Jacques Derrida, que se tornaria o seu grande mentor.

Stiegler alude à sua experiência na prisão em vários títulos da sua extensa bibliografia, ainda pouco editada em Portugal. Em 2006, a Vendaval publicou Descrença e Descrédito: A Decadência das Democracias Ocidentais, e na Orfeu Negro saiu recentemente A Era Hiperindustrial, primeiro volume do ciclo Da Miséria Simbólica.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários