O futuro em debate: o carbono não é o inimigo

Só conhecendo e regulando os fluxos do carbono é que conseguiremos travar a crise climática. A solução tem de passar por preservar as florestas terrestres e marinhas, incentivar a criação de negócios sustentáveis e reforçar o papel da ciência nas tomadas de decisão.

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Nelson Garrido

Tal como o ciclo da água, o ciclo do carbono é essencial para a manutenção da vida no planeta. Neste momento, estou sentada numa cadeira de madeira feita de carbono, a comer um pão feito de carbono e a expirar dióxido de carbono simplesmente porque estou viva. Não sobrevivemos sem ele, somos feitos dele.

Mas não vemos a grande maioria do carbono existente no planeta. Permanece armazenado em material rochoso que demora milhões de anos a voltar naturalmente à atmosfera, através de erupções vulcânicas, num ciclo lento. É assustador pensar que, apesar deste ciclo devolver carbono geológico à atmosfera a uma taxa de 130 a 380 milhões de toneladas por ano, equivale a menos de 1% do dióxido de carbono que emitimos cada ano ao queimar combustíveis fósseis. Por outro lado, o ciclo rápido do carbono — que envolve os seres vivos do planeta — tem também sofrido um grande desequilíbrio com a excessiva libertação de gases, grande parte pelo sector agropecuário.

O resultado? O total desequilíbrio do ciclo natural do carbono. Aqui o inimigo não é o carbono, somos nós. Nós que desestabilizamos o seu ciclo natural, nós que fazemos decisões a curto prazo, nós que desafiamos constantemente os limites do planeta Terra.

A solução para esta emergência parece simples: diminuir a concentração destes gases na atmosfera. Mas para que seja uma solução real, não só temos de fazer uma transição justa para uma economia verde, circular e descarbonizada, sem deixar ninguém para trás, como também temos de preservar a nossa “mão de obra” natural que trabalha 24 horas por dia, durante os sete dias da semana, para remover o carbono presente em excesso na atmosfera: as florestas terrestres e marinhas.

Quando fazemos desaparecer florestas a um ritmo superior à sua capacidade de regeneração, estamos a eliminar os nossos ajudantes, que não só deixam de existir como libertam para a atmosfera todo o carbono que tinham sequestrado nos seus troncos, ramos e folhas. Esta auto-sabotagem acontece também com as florestas marinhas, que só agora estão a começar a receber a devida atenção.

As florestas marinhas portuguesas encontram-se maioritariamente na vegetação das nossas rias e estuários (nos sapais e pradarias marinhas). Aqui, são armazenados, ao longo de centenas de anos, metros de sedimentos ricos em carbono — o “carbono azul”. O problema é que por estas florestas estarem predominantemente debaixo de água, não é tão fácil termos a percepção que também estas estão a “arder” — devido à ocupação descuidada do litoral, à pesca destrutiva, às dragagens, à poluição. Um arder silencioso porque o seu “fumo” não se vê nem se cheira.

Sabias que 83% do ciclo de carbono global circula pelo oceano?

Somos muito vaidosos quando falamos da Zona Económica Exclusiva Portuguesa, a terceira maior da União Europeia. Não nos cansamos de frisar este ponto em conferências internacionais porque, de facto, o nosso território marítimo é enorme e está a caminho de se tornar ainda maior. Se é nosso, não deveria ser também da nossa responsabilidade gerir o carbono que é sequestrado e emitido no mar? Este carbono é também português. Para que as estratégias para atingir a neutralidade carbónica em 2050 sejam representativas da realidade, todo o carbono português — terrestre, marinho e atmosférico — deverá ser tido em conta. Para isso, é preciso contabilizá-lo e regulá-lo. Apesar de ainda não existir uma metodologia aprovada pelas Nações Unidas para os stocks e fluxos do “carbono azul”, este assunto foi amplamente debatido na 25.ª Cimeira da ONU sobre o clima. Portugal só ganhará em liderar pelo exemplo.

Centros de investigação e organizações não-governamentais portuguesas têm alertado para a importância de se assegurar uma gestão informada e equilibrada destes ecossistemas costeiros. Contudo, é urgente reduzir a lacuna de comunicação ainda existente entre a ciência e a decisão política. Só quando estes actores estiverem alinhados e construírem parcerias de confiança, é que vamos conseguir tomar decisões resilientes que não se alterem com a mudança do governo.

É urgente conhecer, preservar, restaurar e usar a natureza e os seus recursos de forma equilibrada. Precisamos mais do que nunca que soluções baseadas na natureza sejam incluídas nos planos, políticas, estratégias, metas e compromissos do nosso país. Afinal de contas, a natureza já teve milhões de anos para aperfeiçoar a sua tecnologia de sequestro de carbono.

O carbono não é o inimigo. Só conhecendo e regulando os fluxos do carbono e outros gases de efeito estufa é que conseguiremos travar a crise climática.

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