Jornalistas abandonam principal site húngaro por “ameaças à independência”

Mais de 70 jornalistas e outros funcionários do Index.hu saíram depois de a administração ter demitido o director. O site, um dos poucos independentes no país, passou a ser controlado por um aliado do primeiro-ministro Viktor Orbán.

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Os jornalistas do Index abandonaram a redacção na sexta-feira BERNADETT SZABO/Reuters

O site de notícias Index.hu, considerado pelos críticos do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, o último grande exemplo de independência nos media do país, perdeu nas últimas horas mais de metade dos seus jornalistas num protesto contra a demissão do seu director.

Na sexta-feira, mais de 70 jornalistas abandonaram a redacção do site, em Budapeste, depois de a administração se ter recusado a reintegrar Szabolcs Dull, despedido na terça-feira.

“Há anos que andamos a sublinhar que temos duas exigências para que o Index continue a funcionar de forma independente: que não haja interferência externa nem no nosso conteúdo, nem na composição da redacção”, disse o grupo num comunicado. “O despedimento de Szabolcs Dull violou o segundo requisito. O seu afastamento foi uma clara interferência na composição da redacção.”

Reformas no site

Dull foi despedido um mês depois de ter assinado um editorial muito crítico da compra da empresa que gere a publicidade do Index por um aliado do primeiro-ministro húngaro.

“Há pouco menos de dois anos, criámos um barómetro para que os nossos leitores pudessem saber se o Index trabalha de forma livre ou não”, disse o então director do site num texto publicado a 21 de Junho (em inglês).

“O Index está agora debaixo de uma pressão tão grande que pode redundar no fim da nossa redacção tal como a conhecemos. Com as alterações propostas, podemos perder os valores que fizeram do Index o maior e o mais lido site de notícias da Hungria.”

Em causa estava uma proposta de reformulação do site que passava por despedimentos e pela cessação de contratos com jornalistas, que passariam a trabalhar sem vínculo directo com a empresa. O plano da administração do site de notícias foi anunciado depois da aquisição de 50% da empresa responsável pela publicidade, em Março, por Miklos Vaszily, um empresário dos media próximo de Orbán.

Vaszily foi um dos responsáveis pelas reformas no site de notícias Origo, em tempos considerado um exemplo de como o jornalismo na Hungria ainda podia resistir aos avanços do Governo do Fidesz.

“Hoje, o Origo é um dos mais obedientes promotores do primeiro-ministro, repetindo os seus ataques contra migrantes e contra George Soros, o filantropo húngaro-americano demonizado pela extrema-direita nos dois lados do Atlântico”, escreveu o New York Times em 2018.

Ao fim de uma década no poder, Orbán e o seu partido, o Fidesz, assumiram o controlo dos media do Estado e de grande parte do sector privado. Através de uma revisão constitucional que alterou as fórmulas de eleição para o Parlamento, o primeiro-ministro húngaro conquistou supermaiorias com menos de 50% do voto popular e pôde reconfigurar o Tribunal Constitucional a seu favor.

Servindo de exemplo a outros países da região, com destaque para a Polónia, Orbán é hoje um líder muito contestado na maioria dos países da União Europeia.

Em 2018, o Parlamento Europeu votou a favor de um inédito processo disciplinar à Hungria, que pode levar à suspensão do direito de voto do país, acusando-o de pôr em causa valores fundamentais da União Europeia. O processo está nas mãos do Conselho Europeu, onde tem sido impossível discuti-lo perante a firme oposição da Polónia.

Nas recentes negociações para o fundo europeu que vai ajudar os países a recuperar da pandemia da covid-19, que atribuiu a Portugal mais de 15 mil milhões de euros nos próximos sete anos, Orbán ameaçou bloquear todo o processo se os outros Estados-membros quisessem discutir as ameaças ao estado de direito na Hungria.

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