A escola contra o populismo

Preocupa-me que o caminho para a afirmação das perigosas ideias radicais e populistas fique mais desimpedido num mundo menos instruído - o que não é o mesmo que dizer menos escolarizado.

É com crescente preocupação que assistimos ao avanço do populismo e à perda de coesão das sociedades ocidentais. Esta nova realidade fica bem patente no modo como se agravam os fossos ideológicos e se extremam atitudes e comportamentos. Diariamente, nas ruas, nas conversas e nas redes sociais, desenha-se um confronto singular entre um grupo empenhado de descrentes revoltados, que aproveitam qualquer boleia anti-sistema para exteriorizar queixas acumuladas em largos anos de cegueira e umbiguismo da classe política, e um círculo de racionais resistentes à resignação, que procuram defender um modelo em crise, mas que tem garantido paz, liberdade e alguma prosperidade.

Apesar das suas falhas, defendo sem hesitação este modelo de sociedade que nos tem garantido a manutenção das liberdades individuais e, com mais dificuldades, é certo, nos tem aproximado da concretização de algumas aspirações colectivas. Face ao cenário actual, acredito que o combate mais eficaz ao populismo não advém do ataque permanente aos líderes populistas, mas sim do esvaziamento das suas bases de seguidores. Nesse sentido, preocupa-me que o caminho para a afirmação das perigosas ideias radicais e populistas fique mais desimpedido num mundo menos instruído - o que não é o mesmo que dizer menos escolarizado.

Perante os problemas concretos das pessoas e conhecendo-se bem as suas angústias genuínas, é muito fácil colocar na agenda comunicacional uma gestão de casos isolados congruente com essas preocupações, obliterando os indicadores que demonstram que alguns desses casos são cada vez mais uma excepção numa realidade com evolução globalmente positiva. Além destas distorções de imagem para conforto dos cidadãos mais atormentados, que se sentem assim um pouco mais representados e mais identificados com a política, porque acham que ela lhes passa a dar resposta, há outros casos em que a evolução é realmente negativa e em que os problemas são concretos e são uma ameaça real à sociedade de valores que fomos construindo ao longo dos séculos. Foquemo-nos no exemplo da corrupção. Aqui, o artifício do discurso populista consiste em retirar da equação a constatação de que os corruptos, activos e passivos, são pessoas, tão humanas e tão cheias de qualidades e defeitos como os próprios queixosos. E esconder que essas pessoas começaram o seu caminho de perdição exactamente no ponto em que estão hoje alguns dos corruptos de amanhã, que é o das pequenas falcatruas, das vulgares chico-espertices e dos corriqueiros atropelos à lei e ao civismo.

Compreendamos que tudo isto é sobretudo um problema de educação e de cultura. Quem hoje comete pequenas infracções, amanhã cairá mais facilmente na tentação dos grandes delitos. E a maior parte dos grandes transgressores, provavelmente já passaram antes pelas pequenas trapaças. Deste modo, em paralelo com a aposta em reformas que tornem os sistemas de justiça mais ágeis e eficazes, a solução para a inversão deste rumo perigoso e para a desminagem deste terreno fértil para as ideias mais radicais, implica uma visão arrojada para o futuro, sustentada na alteração estrutural dos fundamentos educativos da sociedade.

Além da família, a escola é a grande fonte de afirmação de valores para as crianças e os jovens, no exacto momento das suas vidas em que formam a sua personalidade e estabelecem as suas linhas vermelhas. E, ao contrário das famílias, cuja mentalidade evolui mais lentamente e precisa da renovação geracional para substituir o conservadorismo de hoje pelo que virá a ser o conservadorismo de amanhã, a escola permite aos governos, de forma muito mais rápida e eficaz, alterar os comportamentos sociais. Acresce que os jovens, iluminados na escola por novas ideias, de que tanto gostam por serem a geração mais dada a promover temas bandeira como o ambientalismo, o pacifismo, a não discriminação sexual e o anti-racismo, por exemplo, podem ser eles próprios influenciadores eficazes, não só de outros jovens e menos jovens, mas das suas próprias famílias.

Muito mais que nas ruas ou no Parlamento, é na escola que podemos retirar força às ideias radicais e anti-progressistas. E é por isso que se compreende mal que esteja a ser exactamente a escola a principal vítima desta pandemia. Afinal, se todos vamos morrer um dia, que não nos matem antes por falta de instrução.

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