Governo quer mais separação do lixo orgânico e vai apoiar as câmaras que o façam

Ministério do Ambiente vai abrir mais financiamentos para aumentar recolha diferenciada da fracção orgânica do “lixo” e respectiva valorização como composto e energia.

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A compostagem pode ser feita na casa de cada um ou em unidades industriais Jorge Silva / PUBLICO

O Ministério do Ambiente vai canalizar investimentos para o aumento da capacidade de separação e valorização da parte orgânica do lixo doméstico mas vai passar a exigir que cada município tenha um plano para esta fracção do nosso lixo se quiser, no futuro, candidatar-se a apoios. Com o país obrigado a constituir, até 2023, uma rede de recolha dedicada para os chamados biorresíduos, a secretária de Estado do Ambiente, Inês Costa, admite que o esforço “peca por tardio” mas garante que as metas são para cumprir. 

As orientações para atacar as debilidades do país na gestão desta fracção que representa mais de um terço do lixo que fazemos são apresentadas esta terça-feira. Há iniciativas legislativas já em andamento, como o aumento da Taxa de Gestão de Resíduos (que penaliza o lixo indiferenciado), entre outras, e o Governo quer estimular as autarquias a pensar e desenhar, de preferência associando-se entre elas, as soluções para aproveitar um activo económico que em boa parte acaba queimado ou depositado em aterro. 

Há um milhão de euros para apoiar a elaboração destes planos de gestão, e Inês Costa avisa que, no futuro, só vai poder aceder a fundos comunitários quem os tiver. Para colmatar dificuldades técnicas, o Ministério do Ambiente vai financiar com 200 mil euros uma acção de formação para técnicos municipais, dedicada aos biorresíduos. Estas verbas virão do Fundo Ambiental, que já tem apoiado iniciativas na área da compostagem doméstica e da compostagem comunitária, lembra a secretária de Estado. 

Depois de ter investido 40 milhões de euros do Programa Operacional Sustentabilidade no Uso dos Recursos (parte deles direccionados para a recolha porta-a-porta), o Governo ainda tem 18 milhões para os biorresíduos no actual quadro comunitário, mas Inês Costa assume que os valores são insuficientes para o que falta fazer. Mas espera que as autarquias e sistemas de gestão de resíduos cheguem melhor preparados ao quadro que se seguir no qual haverá, face às prioridades europeias, mais apoios para lidar com esta fracção do nosso “lixo”. 

Os 18 milhões que ainda há no POSEUR serão divididos por projectos de recolha em baixa (8 milhões) e de gestão em alta (dez milhões) e direccionados para colmatar “buracos” em iniciativas já em andamento mas cujos resultados possam ser incrementados com algum financiamento adicional, admitiu. Entretanto, o Ministério do Ambiente vai mobilizar um apoio específico para as zonas mais problemáticas do país, onde “não há nada feito nesta área”, seja em alta, seja em baixa, para incentivar a compostagem doméstica e comunitária.

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O lixo orgânico contamina outras fracções recicláveis de resíduos, impedindo a sua reutilização Adriano Miranda

Sem tempo a perder para cumprir as metas europeias, o país apresenta ainda fragilidades. Apesar de a UE ter sinalizado, no início da década, que esta fracção tinha de ser melhor reaproveitada, em 2018, ano para o qual há dados fechados, das 1,8 mil toneladas de biorresíduos, cerca de 810 mil toneladas foram sujeitas a tratamento biológico, “mas, desta quantidade, apenas 51% foi considerada efectivamente reciclada e valorizada”, explica o ministério do Ambiente. Acrescentando que a “a deposição de RUB3 (resíduos urbanos biodegradáveis) em aterro foi de 46%, distante por isso da meta de 35% que estava definida para 2020”.

Vantagens de separar

Na verdade, os números de 2019 deverão trazer melhores notícias porque nos últimos anos vários municípios e sistemas de gestão de resíduos candidataram-se a financiamentos europeus para projectos nesta área, com apostas distintas. Nas áreas mais densamente povoadas tem havido alguma insistência na recolha selectiva porta-a-porta, com resultados excepcionais na qualidade do resíduo recolhido. Inês Costa assinala que a correcta separação é essencial para, por exemplo, produzir um melhor composto, que possa contribuir para o enriquecimento dos solos agrícolas do pais. 

Noutros pontos do país opta-se pelos ecopontos, sistema que os ambientalistas criticam por depender demasiado da vontade e do conhecimento dos cidadãos que ali depositam o lixo e que está mais sujeito a contaminações. E há ainda algumas experiências muito interessantes de incentivo à compostagem doméstica e à compostagem comunitária (que retiram estes resíduos do circuito de gestão do lixo mas garantem o seu correcto aproveitamento em hortas e jardins particulares e ajudam-nos a cumprir uma meta pouco falada, a da diminuição dos resíduos totais que produzimos.

Todos têm consciência, mas...

Inês Costa admite que, no contacto com os municípios, se apercebeu de que todos têm consciência do problema, de que é preciso fazer muito mais, embora existam grandes disparidades na forma como tentam, ou não, valorizar esta fracção. Que, quando misturada com o lixo restante, contamina e prejudica a qualidade das embalagens recicláveis, cria lixiviados que originam os maus cheiros nos aterros e diminui o tempo de vida útil destes equipamentos, enchendo-os mais depressa, por exemplo. Para além de serem, na verdade, dinheiro atirado ao “lixo”. 

Em contrapartida, se reciclarmos mais embalagens de cartão, plástico e vidro, e separarmos a parte orgânica valorizável, sobra uma “fracção resto” com menos humidade, que, nota a secretária de Estado, melhora o seu potencial calorífico para substituição de combustíveis fósseis na indústria. E, acrescenta, a recolha dedicada de biorresíduos permite ainda outra forma de valorização energética pela produção de biometano.

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Na área da Lipor, no Grande Porto, há zonas onde o biorresíduo é recolhido porta-a-porta Inês Fernandes

Tirar o lixo da factura da água

Os impactos de uma correcta valorização desta fracção na descarbonização do sector dos resíduos, acrescidos dos impactos indirectos, por via da descarbonização do sector de gás natural e do sector agrícola, são óbvios mas para chegar a eles é preciso não só incentivar os municípios (apoiando a transição dos sistemas de recolha) mas também os próprios cidadãos, que nem sequer estão, em várias zonas do país, a lidar correctamente com os restantes recicláveis. O Governo promete por isso apostar também em comunicação, quer lançando uma campanha própria quer produzindo materiais que cada município possa usar na sensibilização dos seus habitantes. 

Inês Costa voltou a assumir que o Ministério do Ambiente pretende encontrar forma de expurgar a taxa de resíduos que cada português paga na respectiva factura da água, de modo a tornar explicito os custos de lidar com o lixo e as vantagens (pagar menos) de se separar as várias fracções. Há muito que as associações ambientalistas pedem que Portugal invista a sério em sistemas PAYT, a sigla inglesa para algo como “pagar conforme desperdiçamos”, abandonando esta lógica estranha que coloca uma pessoa que tome um banho diário e recicle muito a pagar bem mais do que alguém que tome um banho por semana, ainda que não recicle nada.

 
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