Primeiro aniversário da Casa do Cinema Manoel de Oliveira

Representar alguém é sempre muito difícil, ainda mais quando se trata de um grande vulto da nossa cultura, que já não está entre nós e simultaneamente também é nosso pai.

No dia da inauguração da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (CCMO), faz agora um ano, nas palavras que nessa ocasião proferi, disse que não podíamos ver Manoel de Oliveira, mas que ele estava connosco nesse dia de regozijo e de alegria, recordando as palavras de Santo Agostinho: “Os mortos não estão ausentes. Estão Invisíveis. Têm os olhos cheios de luz, fixos nos nossos cheios de lágrimas.

De facto, os seus filmes continuam a circular em todo o mundo e a sua vastíssima obra continua a despertar o interesse de historiadores e de pessoas de várias áreas da Cultura.

É disso exemplo flagrante a passagem em 2016, com enorme sucesso, de quatro dos seus filmes, O Passado e o Presente, Benilde ou a Virgem Mãe, Amor de Perdição, e Francisca, no Lincoln Center, em Nova Iorque, que infelizmente não mereceu ser notícia em muitos dos média do nosso país.

Na apresentação dos filmes, Florence Almozini, director da programação desta instituição, e Dennis Lim, um dos organizadores, diziam, em nome deste importante centro de cultura: “A sua morte em 2015, aos 106 anos, privou o cinema de uma das suas lendas vivas e um dos seus mais produtivos e surpreendentes artistas.”

Oliveira não inventou o cinema, mas revolucionou de modo muito próprio a maneira de o fazer, assim como o renovar do olhar, do entendimento, dum cinema profundamente sensível, que provoca reflexão. E reflexão, muitos esquecem, é movimento, e também característica dos autores maiores, os que perturbam a inércia dos entendimentos acomodados.

O realizador partiu, mas deixou um riquíssimo património, os seus filmes, que enaltecem, elevam e propagam a imagem do nosso país.

A CCMO criada pela Administração da Fundação de Serralves e inaugurada com uma excelente exposição, A Casa, nasceu “tendo em vista homenagear e promover a intemporalidade de uma figura de referência da Cidade, do País, e do cinema mundial”, e se “destinará a um aprofundado conhecimento da obra de MO...”.

São palavras do protocolo, que Manoel de Oliveira assinou com a Administração de Serralves em 2009. Estes são, portanto, os compreensíveis e principais alicerces em que assenta a casa de cinema com o nome do grande realizador.

É também neste protocolo que Manoel de Oliveira “indica como seu representante e/ou da Família, para receber e enviar todas as comunicações que venham a revelar-se necessárias ao abrigo deste Protocolo, bem como para quaisquer sugestões, opiniões ou tomadas de decisão que dependam de MO, o seu filho mais velho Manuel Casimiro de Oliveira, mais conhecido no meio artístico como Manuel Casimiro.

É uma responsabilidade imensa, que não pedi, que recebi com humildade, mas que tudo farei para honrar e merecer. Representar alguém é sempre muito difícil, ainda mais quando se trata de um grande vulto da nossa cultura, que já não está entre nós e simultaneamente também é nosso pai. A verdade é que conheço como nenhum outro a obra do realizador, a vida do homem e a cumplicidade do pai. Manoel de Oliveira sabia isso, sabia como ninguém, por isso assim decidiu.

Parece pacífica à luz do protocolo e da memória subjacente a interpretação de que toda a programação da CCMO deverá dialogar com a obra do realizador e a personalidade e percurso do homem, não contrariando ou sequer desvirtuando, mesmo que lateralmente, o seu imenso legado. Neste sentido, não deverão ser programadas iniciativas de autores que MO nunca aceitaria se estivesse entre nós, ou que em nada, por maior mérito que tenham, complementam ou interagem com a sua obra.

E isso, por mais difícil ou subjectivo que possa parecer, só pode ser atestado pelo representante escolhido de MO. É para isso que ficou prevista a existência de alguém com essa missão.

De facto, como é bem visível no protocolo, e foi referido em diversas ocasiões, Oliveira desejava ter na CCMO um director dialogante, desde logo consigo, ou com o seu representante, mas também com o Conselho Consultivo.

Igualmente, parece evidente, que é imperiosa a exposição da múltipla documentação depositada em Serralves com esse fim. É por isso com emoção que registamos, ao fim de um ano, a inauguração em breve de uma excelente exposição de fotografias do próprio MO.

Em memória de MO, e enquanto seu representante neste projeto, cabe-me contribuir para a criação pela CCMO de uma identidade própria, que a afirme nacional e internacionalmente, o que estou seguro só poderá acontecer com exposições que motivem o estudo e o entendimento da “obra oliveiriana”, investigação que o próprio Oliveira desejava para a sua Casa de Cinema.

E é isso que farei directa e indirectamente, cordial e empenhadamente, firme e dialogantemente.

Termino com as palavras do extraordinário actor Marcello Mastroianni:

Manoel de Oliveira é uma espécie de monumento. Talvez vocês, portugueses, não o saibam, mas este homem é conhecido a nível internacional. Ele faz um cinema especial e foi isso que me interessou: fazer algo que não seja habitual, que não seja sempre a mesma “sopa”, como se diz; mudar de gosto, de qualidade.” 

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