Vírus precário... gargareje de bolsa em bolsa

Talvez estas mesmas pessoas não consigam compreender a razão por trás do tempo necessário para elaborar uma vacina segura e eficaz. São estas mesmas pessoas que exigem milagres quando desvalorizam a ciência no resto do tempo. São estas mesmas pessoas que cortam orçamentos para investigação e desenvolvimento.

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Bill Oxford/Unsplash

A pandemia que estamos a atravessar não é uma consequência da revolução 5G, nem um vírus concebido propositadamente em laboratório ou um castigo de uma entidade divina. Por vezes gostamos de criar substância onde não existe, de a moldar aos nossos pareceres. A natureza não funciona na lógica oferta e procura com o âmbito de fornecer uma motivação a todos os cataclismos que afectam a existência humana. A pandemia é um fenómeno natural de evolução deste género de agente viral que tem os mamíferos selvagens como o seu reservatório natural.

Há ainda alguns passos por completar nesta história, sendo a origem animal a questão mais proeminente. Sublinho esta ligeireza típica destes nossos parasitas que demonstram ser capazes de, com pouco, mostrar uma complexidade surpreendente nos seus mecanismos e interacções com os seus hospedeiros. O parente selvagem mais próximo do SARS-CoV-2 foi encontrado nos morcegos, mas terá ou não existido uma espécie intermediária antes da migração para os humanos? Dada a novidade da situação, existe uma natural incerteza. Teorias da conspiração, racismo e campanhas políticas alimentam-se dessa incerteza, assim como todo um conjunto de conselhos estapafúrdios que prosperam nas redes sociais. Da culpada China à excentricidade da sua alimentação, do gargarejar com água morna, sal e vinagre, à preferência por alimentos alcalinos, tudo parece servir para encontrar causa e solução que descanse a mente e urgente desassossego.

Ainda assim, como sempre, a ciência encarregar-se-á de encontrar explicações, de marcar o progresso e de nos proteger, por mais ingrato que isso pareça ser durante os dias de hoje. O crescimento das ideias antivacinas ao longo dos últimos anos têm vindo a sublinhar a perda de credibilidade das entidades científicas, cada vez mais empurradas para o bate-boca político. O fenómeno fake news e o suposto controlo dos meios de comunicação é impulsionado por figuras políticas internacionais que dão assim o aval à prosperidade destas concepções. Talvez estas mesmas pessoas não consigam compreender a razão por trás do tempo necessário para elaborar uma vacina segura e eficaz. São estas mesmas pessoas que exigem milagres quando desvalorizam a ciência no resto do tempo. São estas mesmas pessoas que cortam orçamentos para investigação e desenvolvimento, mas pretendem que isso não se reflicta na preparação para possíveis catástrofes como esta. São estas mesmas pessoas...

Olhando para dentro, a mesma ciência em Portugal ainda é precária. As promessas de estabilidade que nos são feitas, e que são tão ansiadas como vão sendo adiadas, são uma constante. E é essencial entender que fenómenos como a covid-19, mais ou menos relevantes, se irão repetir no futuro. Será a pandemia capaz de alterar a visão de descartabilidade até agora atribuída por constantes governos? O importante para mim será continuar a fazer o que mais gosto – estudar estes agentes fascinantes e percebê-los um pouco melhor. Os vírus, certamente, não se interessarão em entrar na discussão e interceder por nós, os seus fiéis companheiros de laboratório. Afinal de contas, eles gostam de ser eficientes e não perdem tempo quando os nossos caminhos se cruzam. Talvez possamos aprender algo.

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