Designers anseiam por um futuro calmo de passarelles e colecções

A pandemia de covid-19 obrigou a indústria da moda a repensar a forma como tem vindo a funcionar e a maioria das marcas quer uma moda mais lenta e menos descartável.

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Kaia Gerber durante a apresentação da colecção Outono/Inverno 2020 do designer Marc Jacobs, quarta-feira, em Nova Iorque Idris Solomon/Reuters

Da Armani à Gucci, as casas de moda de topo estão a rever os seus calendários para abrandar o ritmo frenético dos desfiles e dos lançamentos das novas colecções, depois de a pandemia de covid-19 ter obrigado a indústria da moda a repensar a forma como tem vindo a funcionar.

As etiquetas de luxo estão a reduzir o número de colecções que pensam levar às semanas da moda que se realizam, ao longo do ano, em Londres, Paris, Milão e Nova Iorque — ou até a outros eventos em locais mais exóticos.

Após mais de dois meses de confinamento, com lojas fechadas em todo o mundo e fábricas paradas, o sector dos artigos de luxo, no valor de 310 mil milhões de dólares (mais de 275 mil milhões de euros), está a caminho de uma quebra nas vendas de até 35% em 2020, segundo estimativas da consultoria Bain.

Enquanto isso, as marcas estão a lidar com pilhas de stocks por vender e com a perspectiva de descontos generalizados, que ameaçam a aura de exclusividade, bem como os lucros.

O designer norte-americano Michael Kors foi o último a pedir um abrandamento pós-vírus no calendário da moda, ao anunciar na segunda-feira, que não irá participar nos desfiles de Nova Iorque, em Setembro.

Kors explicou que, doravante, só fará duas colecções por ano — uma para a Primavera/Verão e outra para o Outono/Inverno —, deixando de promover as chamadas colecções de pré-estação que muitas marcas de topo estavam a produzir para animarem as lojas no pico do Inverno e do Verão. Criações, dizem os mais críticos, que não estão em sintonia com as necessidades dos consumidores, particularmente numa recessão global. Afinal, para que se quer uma colecção para férias em cruzeiro, quando os navios estão todos atracados nos portos?

Robert Burke, fundador da consultora de retalho de luxo Robert Burke Associates, considerou que a mudança para menos colecções se enquadra numa mudança do consumidor que já não se deixa levar pelo descartável. “Neste momento, comprar coisas que se sabe que vão ter utilidade apenas por um curto período de tempo ou deixarem de estar na moda em pouco tempo não parece ser atractivo.”

Moda lenta

O debate sobre os excessos da indústria da moda é anterior à crise, mas a pandemia veio dar um sentido de urgência, ao pressionar as marcas a reduzir os custos e a fazer um inventário sem perder muito dinheiro.

A Kors afirmou que, a partir de agora, as entregas dos seus produtos serão programadas para chegar às lojas de forma crescente durante a Primavera/Verão e o Outono/Inverno, reflectindo mais de perto “a forma como os clientes vivem e fazem as suas compras”.

É imperativo dar ao consumidor tempo para absorver as entregas de Outono, que chegarão apenas em Setembro, e não confundi-lo com uma superabundância de ideias adicionais, novas estações, produtos e imagens.”

Numa carta aberta publicada na revista de moda WWD, Armani disse que as etiquetas de luxo deveriam deixar de imitar os agitados horários de entrega rápida da moda. “Não faz sentido que um dos meus casacos ou fatos permaneça numa loja durante apenas três semanas antes de se tornar obsoleto, sendo, então, substituído por novos produtos que não são muito diferentes”, escreveu.

Alessandro Michele, que transformou a Gucci numa máquina de fazer dinheiro para o proprietário francês Kering, também disse que cortaria os desfiles anuais da etiqueta de cinco para dois. E, durante a apresentação de resultados, em Maio, a Ralph Lauren afirmou ter reequilibrado os seus stocks no sentido de incluir produtos “nucleares”, menos sazonais. A directora financeira da marca, Jane Nielsen, informou que a colecção de Verão ficaria nas lojas até Agosto “para maximizar a venda ao preço total”.

A marca também vai reservar alguns produtos para as próximas colecções, mesmo que isso signifique manter o vestuário em stock mais tempo do que o habitual.

A crise do luxo

Marcas como a Gucci e a Dior têm lançado colecções com muita frequência, apostando em eventos exclusivos para atrair uma clientela rica, mas também voraz, particularmente na China. Mas, com a crise a atingir o mercado do luxo, alguns membros da indústria olham para as elevadas despesas de marketing como um gasto supérfluo — um desfile de moda pode custar bem mais de um milhão de euros.

A decisão em mostrar e produzir menos também reflecte uma mudança de poder entre as marcas e os grandes armazéns de retalho, que nos últimos tempos ditaram o calendário de lançamento de produtos para manter as suas montras com um aspecto sempre renovado.

As entregas múltiplas permitiram que os directores de vendas das lojas passassem o tempo a atrair clientes com “produtos novos”, disse Ron Frasch, ex-presidente da Saks Fifth Avenue, à Reuters. Isso colocava os casacos de Inverno nas lojas em meados do Verão e dava às grandes superfícies a margem de manobra de que precisavam para fazerem os descontos que entendessem — um fenómeno que Frasch disse ter sido um “banho de sangue” para a maioria das marcas.

No entanto, nem todas as marcas parecem estar dispostas a abandonar o caminho trilhado até aqui. É o caso da Chanel, que aumentou os preços em Maio e disse que manteria a produção e promoção de seis colecções por ano, demarcando-se das intenções dos seus pares.

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