Saúde: um bem de primeira necessidade

O investimento em saúde deverá evoluir da simples injecção de dinheiro destinado ao controlo da dívida dos hospitais ou à contratação de médicos e enfermeiros, para um modelo reformista do funcionamento de hospitais e USF.

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LUSA/Zoltan Balogh

Um dos maiores sucessos do período pós-25 de Abril foi a construção do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma vez que uma sociedade verdadeiramente democrática tem de ter por base o acesso à saúde universal e gratuito por parte de todos os cidadãos. Prova disso mesmo, e não precisamos de ir muito longe, é o caso dos EUA onde a mercantilização dos cuidados de saúde aprofundam o fosso entre classes, deixando desprotegidas as classes mais pobres.

Contudo, o olhar sobre as políticas de saúde de um país deverá ser feito de forma holística e multifactorial. E, nesta análise, entram outros dois pilares fundamentais de uma democracia: a área social e a educação.

Apesar do SNS, as populações de risco em Portugal continuam a debater-se com o acesso aos cuidados de saúde e, sobretudo, à informação acerca dos mesmos. Os apoios disponíveis, se pensarmos ao nível das perturbações do desenvolvimento ou mesmo da saúde mental, envolvem um conjunto de procedimentos e burocracias labirínticas. Por isso, e a não ser que se tenha tempo, paciência e se conheça muito bem quais os apoios que se pode accionar, acabam por ficar de fora muitos dos potenciais beneficiários. Paradoxalmente, e em casos com menor expressão quantitativa, um conhecimento aprofundado do sistema permite, por vezes, o accionamento de apoios para os quais não se cumprem todos os critérios ou a duplicação de ajudas.

Esta dificuldade irá comprometer a aquisição de ajudas técnicas que compreendem bens essenciais como cadeiras de rodas, subsídios, produtos alimentares de qualidade, ou o acesso a terapias. A ausência destes recursos acaba por se traduzir numa pior qualidade de vida para os possíveis beneficiários e familiares, bem como num menor potencial reabilitativo. Neste sentido, a capacidade financeira do agregado familiar poderá ser preponderante na aquisição dos recursos necessários.

Por sua vez, o sistema educativo, bem como as políticas de promoção de saúde, têm o dever de contribuir para a literacia nesta área, promovendo a disponibilização de fontes de informação credíveis e ao alcance de todos, nomeadamente ao nível do conhecimento sobre os factores de protecção e os factores de risco em saúde, os recursos comunitários existentes, os apoios disponíveis e como os accionar e a compreensão da saúde como algo multifactorial com origem interna ou externa e, na maior parte das vezes, alheia à vontade do indivíduo.

Podemos assim afirmar que ainda hoje o nível de instrução, a informação sobre o sistema e a capacidade socioeconómica são factores que condicionam o acesso a cuidados de saúde de qualidade e à perspectiva de condições de vida mais prósperas. Deste modo, o investimento em saúde deverá evoluir da simples injecção de dinheiro destinado ao controlo da dívida dos hospitais ou à contratação de médicos e enfermeiros, para um modelo reformista do funcionamento de hospitais e USF. Para além disso, essa reforma deverá contemplar a implementação de programas de carácter social e educativo que promovam uma real universalidade na capacidade de aceso aos cuidados de saúde, numa visão abrangente da criação e implementação de políticas de saúde pública e de promoção da mesma.

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