Processo de expulsão de médico está “parado” há quatro anos num tribunal

Tramitação de queixas na Ordem dos Médicos é agora mais rápida, após o escândalo do obstetra de Setúbal que não detectou malformações graves num bebé. O médico tem 19 processos de averiguações e só um está agora por concluir.

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Nuno Ferreira Monteiro

O processo de expulsão de um médico está “parado há quatro anos num tribunal sem qualquer decisão”, revelou esta quarta-feira a presidente do conselho disciplinar regional do Norte da Ordem dos Médicos (OM), Fátima Carvalho, durante uma audição na Comissão Parlamentar da Saúde.

Fátima Carvalho aludiu a este caso para provar que os atrasos na conclusão de processos disciplinares contra médicos não se ficam a dever apenas às demoras na análise e decisão na OM mas também à lentidão dos tribunais administrativos para onde os clínicos condenados pelos conselhos disciplinares podem recorrer.

Não foram adiantados detalhes sobre este caso na Comissão Parlamentar da Saúde mas o PÚBLICO sabe que se trata do processo que envolve um psiquiatra do Porto que foi acusado de ter mantido relações sexuais com uma doente que estava a tratar a uma depressão e se encontrava na fase de uma gravidez, em 2009.

O conselho disciplinar do Norte decidiu em 2013 expulsar o médico, que recorreu para o conselho superior de disciplina. Este órgão manteve a pena de expulsão mas o psiquiatra recorreu entretanto para o tribunal administrativo, onde o processo ainda se encontrará. Apesar de a Ordem ter decidido expulsá-lo, o psiquiatra pode, assim, continuar a exercer e a tratar doentes.

A audição de Fátima Carvalho e das presidentes dos outros dois conselhos disciplinares regionais da OM – Centro e Sul - foi pedida na sequência da polémica gerada pela divulgação do caso do bebé que nasceu em Outubro passado no Hospital de Setúbal com graves malformações não detectadas pelo médico que fez as ecografias de seguimento da gravidez. Depois de este caso ter sido noticiado, percebeu-se que o obstetra Artur Carvalho tinha muitas outras queixas a aguardar análise no conselho disciplinar do Sul.

Contra Artur Carvalho havia 19 queixas no total, a mais antiga das quais de 2007, e uma parte foi arquivada entretanto, especificou a presidente do conselho disciplinar do Sul, Maria do Céu Machado. No início deste mês, este conselho propôs uma pena de expulsão do obstetra, que ainda é passível de recurso para o Conselho Superior da OM e para os tribunais administrativos

Quanto a Artur Carvalho, há neste momento apenas um processo de averiguações por fechar, acrescentou a ex-presidente do Infarmed, que substituiu o anterior presidente do conselho disciplinar do Sul em Fevereiro passado. A médica adiantou na comissão parlamentar que  “herdou” cerca de duas centenas de queixas enviadas em 2018 e 2019 que nunca ninguém tinha lido nem triado.

Após uma profunda remodelação deste órgão da OM, que passou a ter mais dois juristas e um protocolo com um escritório de advogados para reforçar o apoio jurídico, além de mais profissionais de secretariado, em quatro meses, e apesar dos constrangimentos decorrentes da pandemia de covid-19, estão já triadas todas as queixas recebidas até ao dia 6 deste mês, depois de ter sido criado um gabinete de triagem para acelerar a leitura e selecção das reclamações, disse Maria do Céu Machado. Este ano o conselho já recebeu cerca de 600 queixas, acrescentou.

Graças à “agilização dos procedimentos e à informatização da base de dados”, que até tem alertas quando há reclamações contra o mesmo médico, o conselho disciplinar do Norte consegue triar as queixas com rapidez e os tempos de instauração dos processo de averiguações são “muito breves”, assegurou Fátima Carvalho. “Não haverá processos que demorem mais de um mês a ser instaurados desde a sua entrada”, calculou. O conselho do Norte foi, aliás, o que mais penas aplicou nos últimos anos, não por ser mais “justiceiro”, mas porque consegue “analisar mais processos”, observou.

Também o órgão disciplinar do Centro não tem grandes atrasos. Das 180 a 250 queixas entradas por ano, “cerca de metade são tratadas logo no primeiro ano”, afirmou a presidente, Isabel Luzeiro. A maior parte das queixas dizem respeito a aspectos da organização dos serviços e muitas decorrem da “exaustão dos profissionais e da relação directa médico-doente”, explicou.

 “A maior parte não tem qualquer fundamento”, corroborou Fátima Carvalho. “Contam-se pelos dedos das mãos os casos que são graves”, acrescentou Maria do Céu Machado. Muitas, aliás, não são reclamações de doentes. “Há queixas de enfermeiros que dizem que o médico os criticou no Facebook, há queixas de médicos que dizem que outros os plagiaram”, exemplificou.

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