Banco de Portugal mais pessimista que o Governo. PIB cai 9,5% este ano

Dados mais recentes da actividade económica e travagem acentuada dos países parceiros da zona euro levam Banco de Portugal a rever em baixa as previsões que tinha feito em Março, no início da pandemia.

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Nuno Ferreira Santos

À medida que mais entidades apresentam as suas projecções para a economia, o cenário macroeconómico com que o Governo baseou a proposta de orçamento suplementar em discussão neste momento na Assembleia da República parece, num cenário que é ainda de enorme incerteza, estar em cada vez maior risco de se revelar demasiado optimista.

Depois da OCDE na passada quarta-feira, esta terça-feira foi a vez de o Banco de Portugal avançar com uma estimativa de contracção da economia durante este ano que, mesmo no cenário mais benigno considerado, se aproxima dos 10% e que é consideravelmente mais acentuada do que aquela que está neste momento a ser projectada pelo Governo.

No boletim económico do Junho, a entidade ainda liderada por Carlos Costa prevê, no seu cenário base, uma variação negativa do PIB português de 9,5%, um valor que supera em 2,6 pontos percentuais o recuo de 6,9% que foi projectado na semana passada pelo Ministério das Finanças, na altura ainda liderado por Mário Centeno. E no caso de se vir a concretizar um cenário que o banco central classifica como “adverso”, em que os efeitos negativos da economia se prolongam por mais tempo e atrasam a fase de recuperação, a perda de valor do PIB estimada para este ano chega mesmo aos 13,1%.

São números que não se vêem há já várias décadas (é necessário recuar até 1928 para encontrar o registo de uma queda do PIB superior a 9,5%) e aos quais os técnicos do Banco de Portugal chegam baseando-se, por um lado, nas previsões para o total da zona euro realizadas recentemente pelo Eurosistema de bancos centrais (queda de 8,7% no PIB) e nos indicadores económicos já disponíveis em Portugal para Abril e Maio, os dois meses em que as medidas de confinamento foram mais acentuadas.

Aquilo que viram, escrevem no relatório, foi uma quebra muito forte da procura externa dirigida à economia portuguesa e uma travagem da actividade económica que pode ter ficado próxima de 15% durante o segundo trimestre do ano.

Com este ritmo de perda logo na primeira metade do ano, e mesmo acreditando que a retoma se começará a concretizar já no decorrer do terceiro trimestre, facilmente se chegou à conclusão dentro do banco central que as previsões que tinham feito em Março eram demasiado optimistas. Nessa altura, ainda no início da pandemia, o Banco de Portugal foi dos primeiros a arriscar fazer previsões e traçou dois cenários possíveis: um cenário base em que a economia caía 3,7% em 2020 e outro, classificado como “adverso”, em que a quebra era de 5,7%.

Agora, qualquer um desses cenários passaram para a classificação de excessivamente benignos, a mesma categoria em que o Governo, com a projecção de recuo de 6,9% este ano com que baseia o seu orçamento, se arrisca também a cair.

Na semana passada, um dia depois de o Governo apresentar a sua proposta de OE, também a OCDE tinha traçado para Portugal uma evolução da economia mais negativa, com valores próximos dos do Banco de Portugal: uma variação negativa do PIB de 9,4% em 2020, no caso de estabilização da crise sanitária, e uma queda de 11,3% na eventualidade de uma segunda onda da pandemia.

Em todas as previsões, sejam as do Governo, da OCDE, ou agora as do Banco de Portugal, assume-se que a retoma da economia pode começar a acontecer a partir do terceiro trimestre deste ano. No caso do banco central, isso permitirá que, assumindo um cenário base em que a pandemia diminui de forma progressiva os seus impactos negativos, a economia cresça 5,2% em 2021 e 3,8% em 2022, enquanto num cenário adverso as taxas de crescimento esperadas são de apenas 1,7% e 3,5%, respectivamente.

Uma coisa é certa em qualquer um dos cenários: o valor do PIB português não voltará ao nível registado em 2019, nem no próximo ano, nem em 2022.

Impacto negativo nas contas públicas

Os números agora avançados pelo Banco de Portugal parecem confirmar a ideia de que, quanto mais recentes são as previsões para a economia portuguesa, maior a probabilidade de serem mais negativas.

Em Abril e Maio, instituições como a Comissão Europeia ou o FMI apontavam para quebras do PIB português muito elevadas, mas que ficavam em torno de 7% (6,8% no caso da Comissão e 8% no caso do FMI), mas a partir de Junho, à medida que os primeiros indicadores reais de travagem da actividade foram sendo conhecidos, começaram a ser feitas previsões de contracção da economia mais próximas de 10%.

A 3 de Junho, o Conselho das Finanças Públicas estimou uma perda do PIB situada entre 7,5% e 11,8%. Uma semana mais tarde, a OCDE colocou a sua previsão entre 9,4% e 11,3%. E agora, o Banco de Portugal fala de valores entre 9,5% e 13,1%. Só o Governo, na proposta de Orçamento Suplementar entregue a 9 de Junho, mantém valores próximos dos avançados pela Comissão e pelo FMI algumas semanas antes.  

Se a estimativa do Governo para a economia se vier a revelar realmente ultrapassada, um dos problemas é que pode colocar também em causa as novas metas para as finanças públicas que são traçadas no Orçamento Suplementar. Uma taxa de crescimento de cerca de 2,5 pontos percentuais mais baixa do que a prevista pode significar, por um lado, uma quebra da receita fiscal ainda maior e, por outro, um aumento do desemprego mais acentuado que implica um reforço das despesas sociais realizadas pelo Estado.

No caso das receitas fiscais, se estas, acompanhando a economia, caíssem mais 2,5% do que o previsto pelo Governo, isso significaria uma perda adicional superior a 1000 milhões de euros para os cofres do Estado.

Em relação ao aumento da despesa relacionado com a subida da taxa de desemprego, enquanto o Governo prevê que este indicador possa chegar este ano aos 9,6% (depois de 6,5% em 2019), o Banco de Portugal aponta, no cenário base, para um valor ligeiramente acima de 10%.

Retoma rápida no investimento, lenta nas exportações

Nas previsões agora apresentadas, os responsáveis do Banco de Portugal assinalam em diversas ocasiões o elevado nível de incerteza que ainda existe. E esta incerteza, se começa a reduzir-se no que diz respeito à dimensão da quebra da actividade durante o período de confinamento, continua a ser enorme quando se tenta perceber de que forma é que ocorrerá a recuperação.

Aquilo que o Banco de Portugal está a antecipar, para já, é que essa retoma tenha algumas características diferentes das verificadas a seguir a anteriores períodos de recessão. Em particular, o banco central acredita que a retoma do investimento possa ocorrer de forma mais rápida do que no passado, por exemplo a seguir à crise de 2012, em que o investimento demorou muito tempo a voltar ao nível do passado, mas que em contrapartida a recuperação das exportações poderá ser mais lenta do que em ocasiões anteriores.

Esta retoma mais célere do investimento, assinala o banco central, é prevista “assumindo que as medidas de política adoptadas limitam o impacto da crise sobre o tecido empresarial e que o investimento público se mantém relativamente dinâmico”. Isto é, parte do princípio que as empresas sobrevivem ao choque da pandemia e que esta é uma crise com carácter temporário, sem consequências graves a nível estrutural em que os níveis de confiança dos agentes económicos regressam à normalidade ao mesmo tempo que as medidas de confinamento vão sendo retiradas. (Secção 2).

No entanto, no que diz respeito às exportações, “a recuperação esperada é mais lenta do que a observada na sequência das recessões anteriores, o que reflecte”, diz o banco, “as tensões comerciais existentes e, sobretudo, o comportamento das exportações de turismo, cujo peso aumentou significativamente nos últimos anos e que deverão ser particularmente afectadas e de forma persistente pela crise pandémica”.

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