Secretas alemãs vão vigiar a secção de Brandeburgo da AfD

A decisão dos serviços de inteligência acontece depois de terem posto a facção mais radical do partido, com forte presença na Turíngia, sob vigilância até esta acabar por se auto-dissolver.

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A Alternativa para a Alemanha tem sido palco de um intenso confronto entre uma suposta ala mais "moderada" e outra extremista FELIPE TRUEBA/LUSA

Os serviços de informação alemães colocaram a federação de Brandeburgo da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema-direita que é a terceira força política da Alemanha, na sua lista de vigilância. A decisão aconteceu depois de os membros do partido terem votado contra a expulsão do seu líder, Andreas Kalbitz, apontado como “extremista radical independente” pelas autoridades e um dos líderes da facção mais extremista do partido, a Ala, que também esteve sob vigilância até se autodissolver. 

“Dispomos de elementos tangíveis suficientes que mostram que desta federação regional ‘emanam tendências que visam contestar as regras democráticas e as liberdades fundamentais’ garantidas pela Constituição”, disse aos jornalistas Jörg Müller, chefe do Gabinete de Protecção da Constituição. Para o responsável, as acções desta delegação do partido tem violado princípios de direitos humanos e democráticos ao assumir uma “perspectiva etnocêntrica do mundo” centrada em “racismo-biológico”. 

Opinião partilhada pelo ministro do Interior de Brandeburgo, Michael Stübgen, ao considerar que a federação regional “se foi radicalizando sistematicamente desde a sua criação e é actualmente dominada por aspirações claramente dirigidas contra a ordem liberal e democrática”, o que resulta na existência de “vínculos estreitos com estruturas da extrema-direita”. “A Ala tem sido um grande factor na AfD de Brandeburgo”, disse Stüebgen, numa conferência de imprensa em Potsdam . 

A decisão das autoridades foi revelada pouco depois de os membros do braço regional terem votado a favor da permanência de Andreas Kalbitz, o líder do partido em Brandeburgo e um dos homens fortes da ala mais radical da AfD, depois de ser expulso a 15 de Maio. A direcção nacional, que se tem tentado afastar dos elementos mais extremistas, decidiu, numa votação muito renhida, expulsar Kalbitz, antigo soldado profissional de 47 anos, sob o argumento de ter escondido o facto de ter pertencido a um grupo neonazi na sua juventude.

Mas a decisão foi tomada depois de as secretas alemãs o terem classificado como “extremista radical independente” e responsável pelo “rumo tomado pela AfD de Brandeburgo”, algo que os serviços secretos vêem com “grande preocupação” o partido ficou em segundo lugar nas eleições regionais de Setembro em Brandeburgo, atrás dos sociais-democratas. 

Além disso, Kalbitz é aliado do fascista Björn Höcke, líder do braço da AfD na Turíngia, e os dois participavam na direcção da Ala, com fortes ligações a elementos do circuito neonazi alemão. A facção tem mais de sete mil elementos e é vista com grande preocupação pelas autoridades alemãs, que a classificou como “extremista”. Pressionada pela direcção nacional, a Ala decidiu-se pela extinção em Março, mas os seus membros continuam no partido e os seus dois líderes mantêm a sua influência Kalbitz continua a integrar o grupo parlamentar regional do partido por ter o apoio maioritário dos seus deputados. 

Cada vez mais radical

Há muito que a AfD é classificada como sendo um partido de extrema-direita e de ter elementos radicais nas suas fileiras e, para suster as críticas, a direcção nacional tem tentado afastar os elementos mais extremistas, ao mesmo tempo que considera “errada” a sua monitorização pelas secretas. “É simplesmente errado, tal como o foram as classificações anteriores da AfD pelo Gabinete de Protecção da Constituição”, disse em comunicado o presidente honorário da AfD, Alexander Gauland, citado pela Reuters. Mas a própria direcção não consegue encontrar uma forma consensual de se distanciar e/ou controlar a ala extremista. 

As secretas alemãs tentaram há um ano classificar o partido no seu todo como “caso a investigar” por possíveis actividades inconstitucionais, mas foram impedidas por um tribunal, argumentando que iriam pôr o partido numa posição de desvantagem dentro do sistema partidário alemão. A AfD é o terceiro maior partido no Parlamento Federal e, com a coligação entre os democratas-cristãos e os sociais-democratas, transformou-se no líder da oposição. 

Criado em 2013 como partido anti-resgates financeiros europeus, a AfD radicalizou-se e deslocou-se  para a direita do espectro político com a crise de refugiados, em 2015. Há muito que as intensas lutas internas entre uma suposta ala “moderada” e outra mais extremista são uma constante na vida da força política e já levaram à saída de vários elementos, como aconteceu com o economista Bernd Lucke e com a radical Frauke Petry  esta última chegou a sugerir disparar contra refugiados na fronteira alemã. E a cada embate, o partido radicaliza-se ainda mais por a ala mais extremista, que compõe até 40% dos seus membros, ganhar crescente destaque e as secretas intensificarem a vigilância. 

“Somos um partido conservador tradicional”, disse em Março Jörg Meuthen, co-líder da AfD, à televisão pública alemã ARD. “Precisamos de demonstrar coesão, mas também precisamos de nos distanciar claramente de posições de extrema-direita”, continuou o líder da ala “moderada” e principal alvo da mais extremista. 

As lutas internas – e a presença de elementos radicais – têm prejudicado a imagem do partido junto do eleitorado e, com a pandemia de covid-19, a situação piorou. Num primeiro momento da crise pandémica, em Março, a direcção nacional exigiu ao Governo da chanceler Angela Merkel que encerrasse as fronteiras, para conter a propagação do vírus, criticou-o por não ser enérgico o suficiente e tentou culpar os imigrantes pela rápida propagação, mas, depois, inverteu o rumo e assumiu um discurso anti-confinamento, instando à reabertura da economia quando o vírus ainda não estava controlado, contrariando a posição da maioria dos alemães. 

Os seus militantes começaram a organizar e a participar, um pouco por toda a Alemanha, em protestos anti-confinamento, inspirados em acções do género nos Estados Unidos, que agregaram uma variedade de pessoas crentes em todos os tipos de teorias da conspiração, desde movimentos anti-vacinas a quem ache mesmo que o vírus é uma invenção da Nova Ordem Global. A inversão súbita de rumo da AfD, contrariando a posição dominante entre a opinião pública, saiu cara ao partido nas sondagens: caiu dos 13%, alcançados nas eleições legislativas federais de 2017, para menos de 10%. 

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