Covid-19: Alemanha preocupada com os poucos mas ruidosos “cidadãos zangados”

Manifestações semanais juntam movimentos anti-vacinas à extrema-direita. Responsáveis pedem aos cidadãos alemães que não se deixem instrumentalizar.

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Protesto em Estugarda Reuters/KAI PFAFFENBACH
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Com uma cópia da Constituição e um cartaz que diz "sem medo", em Berlimm LUSA/OMER MESSINGER

Na Alemanha há um enorme apoio às medidas de contenção do coronavírus que provoca a covid-19 e, segundo as sondagens, uma parte significativa da população até preferia que o desconfinamento fosse feito mais devagar. Mas, aos fins-de-semana, uma minoria muito ruidosa tem marcado presença nas ruas, protestando contra as medidas do Governo.

As manifestações estão a acontecer em várias cidades, juntando pessoas que acreditam em todos os tipos de teorias da conspiração, desde movimentos anti-vacinas a quem ache mesmo que o vírus é uma invenção. 

A Agência para a Protecção da Constituição (BfV), que vigia potenciais ameaças à democracia, avisou que os protestos estavam a ser usados pela extrema-direita. “Há um risco de que a extrema-direita, com a sua narrativa de inimigos e o seu objectivo de destruir o Estado, lidere as manifestações, que têm sido, na maioria, levadas a cabo por cidadãos respeitadores da Constituição”, disse Thomas Haldenwang, o líder da agência, numa entrevista ao jornal Welt am Sonntag.

Uma porta-voz da polícia disse ao Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung que apesar da presença de movimentos de extrema-direita nas manifestações, não havia, ainda, indícios de “infiltração coordenada”.

Vários responsáveis políticos vieram entretanto apelar a manifestantes que não se deixem instrumentalizar. O mais recente foi o ministro dos Negócios Estrangeiros, Heiko Maas, que culpou “extremistas radicais e anti-semitas que usam as manifestações para semear ódio e dividir”.

A Alemanha, diz num comentário no diário Süddeutsche Zeitung a jornalista Antoine Rietzschel, está de novo perante um movimento tipo Pegida (Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente), que surgiu em 2014 e ganhou mais força em 2015 quando o Governo de Angela Merkel aceitou receber cerca de 800 mil refugiados.

O Pegida foi tendo uma ligação mais ou menos assumida ao partido de direita radical (Alternativa para a Alemanha) AfD, e ainda esta sexta-feira o Frankfurter Allgemeine Zeitung dizia que o seu líder,​ Lutz Bachmann, queria filiar-se no partido.

Implantar chips

O problema, resume Rietzschel, é como lidar com este movimento que junta grupos de protesto, extremistas e “cidadãos genuinamente preocupados, ou apenas confusos”. ​​

O que junta os manifestantes é o medo de uma elite poderosa e corrupta. Nas manifestações há pessoas a repetir uma alegação extraordinária do movimento anti-vacinas, que uma vacina contra o coronavírus (a única alternativa, dizem os cientistas, para pôr fim à pandemia), serviria para os governos implantarem chips nas pessoas para as controlarem.

Alguns partidários do movimento anti-vacinas nas manifestações têm estrelas de David amarelas, o sinal que os nazis obrigaram os judeus a usar para os estigmatizar, com a palavra “não-vacinado”.

Na Alemanha, foi aprovada no ano passado a vacinação obrigatória contra o sarampo para as crianças. Mas responsáveis já disseram que quando houver uma vacina para protecção do coronavírus esta não será obrigatória.

Paradoxo da prevenção

O papel que os virologistas assumiram nesta crise, sendo frequentemente ouvidos nos media e tendo sido quem primeiro defendeu medidas de isolamento, também é criticado pelos manifestantes. Um dos mais conceituados especialistas, Christian Drosten, do Hospital Charité de Berlim, disse que tem recebido ameaças de morte.

O virologista dá conta do chamado paradoxo da prevenção  como as medidas adoptadas tiveram sucesso, são agora vistas como excessivas. 

A Alemanha tem-se destacado pela baixa letalidade do vírus SARS-CoV-2, o que se pensa ter a ver com vários factores, incluindo os primeiros infectados terem sido jovens em boa forma que o contraíram em estâncias de esqui na Áustria ou Norte de Itália.

Segundo dados apresentados esta sexta-feira, a mortalidade geral na Alemanha aumentou pouco em comparação com a média dos três anos anteriores: apenas 7% no período de 23 de Março a 25 de Abril. Isto é algo que era, no entanto, esperado, já que a época da gripe terminou mais cedo, levando a menos mortes em 2020. 

Mas apesar disso, a pequena diferença da Alemanha na taxa de mortalidade é uma excepção na Europa, onde a maioria dos países registou aumentos significativos (cerca de 50% em Itália e Espanha, por exemplo  por contraste, Noruega e República Checa não mostraram variações). Segundo o instituto Robert Koch, morreram 8174 pessoas com covid-19 desde o início da pandemia, entre mais de 177 mil infectados registados no país. 

AfD e coronavírus 

É também irónico que as manifestações estejam a ganhar mais força precisamente quando as restrições começam a ser levantadas: na semana passada houve protestos em Berlim, Munique, Estugarda, Colónia, Frankfurt, e ainda noutras cidades, e espera-se que este fim-de-semana se repitam.

Estugarda chegou, no entanto, a proibir a manifestação planeada, onde se previa que falasse uma das dirigentes da AfD, Alice Weidel, justificando-a com o dever de “protecção contra infecção”. 

A Alternativa para a Alemanha começou por reagir à pandemia como muitos outros partidos anti-imigração, racistas e xenófobos: propôs o encerramento de fronteiras e controlo da imigração. Mas rapidamente mudou de curso e começou antes a criticar as restrições adoptadas e dar o seu apoio a estes protestos.

O partido está ainda a viver um episódio de divisão interna com a expulsão de Andreas Kalbitz, o líder do partido no estado federado de Brandeburgo (Leste, à volta de Berlim), por há anos ter pertencido a um grupo juvenil neonazi, entretanto proibido. 

A decisão de expulsão de Kalbitz, que conseguiu o segundo lugar para o partido radical nas eleições do estado federado no ano passado, foi tomada por uma pequena maioria, dividindo a liderança.

O partido tem descido recentemente nas sondagens, com cerca de 9% das intenções de voto e em quarto lugar, segundo a sondagem mais recente, feita pelo instituto Allensbach (nas eleições de 2017 obteve 12,5% e foi o terceiro partido mais votado). Enquanto isso, a CDU de Angela Merkel está com 38% (obteve 32,9% em 2017), os Verdes com 19% e o SPD com 15,5%.

Segundo o barómetro político da estação de televisão pública ZDF, 85% dos alemães acham que Merkel está a fazer um bom trabalho.

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