O clubismo partidário que destrói a política

Para mim, o grande problema de se viver a política desta forma exclusivamente partidária é o de a transformar num fim em si mesmo: em vez de servir o país, serve o partido do poder, e é através dela que se aumenta o poder do partido.

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Nuno Ferreira Santod

Não é segredo para ninguém o que diz a voz do povo sobre os políticos: são todos iguais, só se importam consigo mesmos, nunca cumprem as promessas. Ultimamente, tenho tentado perceber o porquê de isto ser assim; o porquê de, apesar de não concordar com estas generalizações, que, como todas, são injustas, ter a sensação que de facto há algo de muito errado na forma como se faz política em Portugal. A política, essa mesma que devia ser uma actividade de nobre entrega e serviço ao país.

Quando faço este exercício de tentar compreender o porquê de ser esta a opinião geral, a grande conclusão a que chego é que existe um “clubismo partidário” que desvirtua por completo toda a actividade política. Com isto quero dizer: tanto os militantes como os simpatizantes de um determinado partido se demonstram propícios a criarem-lhe uma paixão igual à que se tem por um clube de futebol. Com tudo o que isso acarreta.

Por um lado, o amor ao partido é tão grande que, em vez de se escolher o partido onde se vota conforme a adequação às nossas ideias e objectivos, adequam-se as nossas ideias e objectivos àquelas que forem definidas pelo partido. Antes de se pronunciar sobre um assunto, há que averiguar qual a posição do partido (não vamos nós estar a desrespeitá-lo). É uma total submissão que se ofusca com a falsa sensação de liberdade de poder escolher o partido onde se quer votar, quando, na realidade, muitas pessoas irão votar no seu partido de sempre, dando primazia à emoção sobre a razão, tal como irão apoiar o seu clube de sempre. Não é uma verdadeira liberdade.

Por outro lado, por relação de oposição lógica, o clubismo partidário é vivido de acordo com a máxima “quem não está connosco, está contra nós”. O que significa que amar um partido significa necessariamente odiar todos os outros, variando apenas em grau conforme o espectro político em que “os outros” se inserem (esquerda ou direita). A troca de insultos e difamações que se vêem chocam qualquer pessoa que ainda se dê ao trabalho de procurar a moderação nas discussões.

Para mim, o grande problema de se viver a política desta forma exclusivamente partidária é o de a transformar num fim em si mesmo: em vez de servir o país, serve o partido do poder, e é através dela que se aumenta o poder do partido — esse é o seu fim máximo. Desta forma, a discussão pública centrar-se-á no acessório e não no essencial; e dará lugar a mais intrigas e disputas entre partidos do que a efectivas decisões que correspondam às necessidades do país.

Não quero com isto condenar qualquer filiação ou afinidade com um determinado partido nem diminuir a importância dos partidos na democracia; apenas pretendo chamar a atenção para o facto de podermos estar a cegar-nos a nós próprios se idealizarmos o partido no qual votamos como um todo-poderoso da verdade. Como dizia um grande autor britânico, a verdade, na grande maioria das vezes, não está inteiramente contida num lado; está espalhada pelas várias perspectivas, e é através da discussão que se consegue aproximar dela por completo. Mais: a moralidade da discussão publica reside em saber reconhecer o mérito dos adversários e o falhanço do próprio. Só assim a política alcança a sua função de servir o bem-comum. E era isto que eu gostava de ver em Portugal.

Tal como disse no início, todas as generalizações são injustas; mas sei que não sou a única a sentir-me desiludida com o mundo político por ele se reger, em vários casos, por regras partidárias e respectivas paixões. E enquanto este clubismo partidário permanecer enraizado em nós, a política estará muito, muito longe de ser uma actividade virtuosa, por vício do próprio sistema. Algo tem que mudar.

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