Teleconsulta em tempos de covid-19: lições para o futuro

Ter acesso a um médico sem sair do sofá, sem perdas de tempo e sem gasto de energia física, levará sem dúvida a alguns pedidos de teleconsulta “por tudo e por nada”. Não podemos, nesta altura, desresponsabilizar os doentes.

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National Cancer Institute/Unsplash

Se há algum tempo atrás era inconcebível avaliar um doente sem realizar um exame físico, actualmente a teleconsulta tem ganho fama e tornou-se uma vedeta em tempos de covid-19. A pandemia actuou, sem dúvida, como uma poderosa catalisadora para o uso disseminado da teleconsulta. Quer ao nível dos cuidados de saúde primários, quer ao nível hospitalar, o número de consultas não presenciais aumentou exponencialmente após ter sido declarado o estado de emergência. E porquê? Porque o medo se apoderou da população, que agora evita o consultório médico a todo o custo e, também, dos médicos que têm de ponderar o benefício da consulta presencial contra o risco de infecção.

Aqueles que há alguns meses não perdiam uma oportunidade para consultarem presencialmente o seu médico de família aguardam agora timidamente do outro lado do telefone com um misto de frustração e reconhecimento. Já muito se dissertou sobre o facto de o novo coronavírus ter conseguido um inesperado paradoxo: aproximar as pessoas, afastando-as. Não se falou, no entanto, que a relação entre médico e doente não foi excepção. Uma maior acessibilidade ao médico por telefone foi inevitável para se conseguir dar resposta aos utentes em tempo útil, originando uma distinta disponibilidade do clínico, em tempos difíceis, e uma evidente valorização dos cuidados de saúde.

A teleconsulta tornou-se, em pouco mais de três semanas, num dos maiores recursos na luta contra o novo coronavírus. Não estamos a falar de uma “uberização” da medicina, mas sim da necessidade de recorrer a uma ferramenta indispensável para todos poderem ter acesso simples e rápido à saúde, numa altura crítica. A pandemia paralisou a nossa região, o país e o mundo. Muitos portugueses viram grande parte das suas rotinas e muitas das suas consultas canceladas ou adiadas. Mas o flagelo das doenças crónicas não parou. A teleconsulta surgiu assim como uma preciosa aliada no seguimento dos doentes vulneráveis e de grupos de risco. Garantiu a continuidade dos cuidados prestados a estes doentes, a partir de uma comunicação agilizada com o médico, sem colocar em risco a saúde dos utentes nem a dos profissionais de saúde.

A telemedicina, que revelou nestes tempos, quase por obrigação, todo o seu potencial, transformou a medicina conhecida e baseada especialmente na visita presencial ao médico, numa oportunidade sem precedentes, capaz de reduzir as desigualdades sociais e geográficas que persistem nas nossas comunidades. Agora, mais do que nunca, as pessoas com mobilidade reduzida, acamadas ou com múltiplas comorbilidades, podem ter acesso facilitado ao seu médico sem necessidade das morosas e difíceis deslocações que muitas vezes as faziam simplesmente desistir.

Claro que este sistema tem muitas limitações. E alguns inconvenientes. São grandes exemplos disso a ausência de exame físico e também a impossibilidade de prestar cuidados imediatos com uma equipa multidisciplinar. É tudo uma questão de “moda”. E esta poderá desaparecer quando ocorrer um erro desencadeado pela inevitável distância física entre médico e doente.

Vai ser necessário abordar, ainda, as questões legais da telemedicina, pois elas são relevantes e merecedoras da nossa atenção. Temos, necessariamente, de conseguir assegurar a privacidade dos dados, determinar a melhor forma de estabelecer que o acordo verbal possa substituir o consentimento registado em papel e também a maneira de conseguir identificar o utente pelo telefone. Situações que não se colocavam nas consultas presenciais.

A estas questões podemos acrescentar o inconveniente de, ao facilitarmos o acesso dos utentes ao médico, estarmos também a abrir portas para a utilização de cuidados de saúde sem moderação. Ter acesso a um médico sem sair do sofá, sem perdas de tempo e sem gasto de energia física, levará sem dúvida a alguns pedidos de teleconsulta “por tudo e por nada”. Não podemos, nesta altura, desresponsabilizar os doentes. A saúde é um recurso limitado, e precioso, que necessita de ser gerido igualmente pelos que a ela necessitam de aceder.

Esta solução improvisada, bem ao estilo português, perante uma crise sanitária, levará, sem sombra de dúvidas, a que nada seja como dantes. Estamos numa época de mudança, mas não devemos mudar apenas para remediar, temos de mudar para melhorar, incluindo o binómio médico e doente. Numa era de incertezas permanentes, e de rápidos avanços tecnológicos, a cautela e o bom senso devem ser os nossos parceiros mais consistentes. Nestes dias de esperança intermitente e desespero constante pela normalidade, todos temos aprendido, sobre a nossa comunidade, sobre o que é importante para ela e também sobre o que é acessório. Falta apenas aprender a sustentar a ideia num futuro melhor.

Esperamos também que os meios de comunicação consigam participar na difusão da ideia geral de uma melhor, e mais sustentável, saúde para todos... E para cada um.

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