Mais de metade dos professores ainda não conseguiu contactar alunos

Inquérito da Fenprof revela um quadro negro do ensino à distância: falhas, falta de apoios, desigualdades, exaustão.

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Só os alunos do 11.º e do 12.º ano regressaram às aulas presenciais Paulo Pimenta

A meio do 3.º período, mais de metade (54,8%) dos professores continuava sem conseguir contactar os seus alunos nem através da Internet, nem por qualquer outro meio, revela um inquérito sobre a experiência do ensino à distância divulgado nesta segunda-feira pela Federação Nacional de Professores (Fenprof).

Esta situação vivida em meados de Maio dá conta não só da dificuldade de acesso a meios digitais por parte de muitos alunos, mas também de “um total alheamento em relação à escola”, frisa a Fenprof. Para acrescentar o seguinte: “Posteriormente, em alguns casos, foi possível estabelecer contacto com alguns desses alunos, para o que foi importante a colaboração das autarquias; contudo, a maior parte deles, mesmo a partir daí e conforme testemunho dos respectivos professores, não manteve uma participação regular na actividade lectiva desenvolvida à distância.”

O ensino à distância foi lançado com o encerramento das escolas a 16 de Março devido à pandemia da covid-19 e mantém-se para os alunos do 1.º ao 10.º anos de escolaridade. Os do 11.º e 12.º anos regressaram às aulas presenciais a 18 de Maio.

Responderam a este inquérito 3548 professores (com respostas validada), dos quais 63,9% são docentes do 3.º ciclo e do ensino secundário e quase outros tantos têm idades superiores a 50 anos.

“Dar conteúdos novos sem conseguir chegar a todos é injusto, é desigual e nem sei como se pode avaliar assim”, diz um professor. É um dos 10 mil comentários que a Fenprof diz ter recolhido sobre os vários itens em análise no inquérito agora apresentado. Para o efeito foi reservado um espaço para estas “respostas abertas”. Voltando à avaliação quantitativa, constata-se que, apesar das ausências dos alunos nas aulas à distância, 70,5% dos professores estão a leccionar novos conteúdos e 47,8% tencionam avaliá-los no final deste 3.º período.

Segundo a estrutura sindical dirigida por Mário Nogueira, estas foram as orientações que chegaram do Ministério da Educação: avançar com “novos conteúdos para que se cumprissem, na íntegra, os programas”.

Como se pode ver pelos resultados, a maioria dos professores está a cumprir estas orientações. Embora muitos dêem conta do seu desagrado, como testemunha este comentário: “Gosto de ser professora, de estar na escola e olhar os meus alunos nos olhos (…). Tenho uma opinião muito desfavorável em relação a tudo isto, não porque seja retrógrada ou antiquada, mas apenas porque houve uma pressa muito grande em ‘montar’ este espectáculo digital sem ter em atenção que não vamos chegar a todos os alunos. Na minha opinião, solução que não chega a todos não é solução.”

Mais desigualdades

Mais de três quartos dos docentes têm alunos com necessidades educativas especiais, mas 40,8% afirmam desconhecer se as medidas de apoio que estarão a ser disponibilizadas a estes estudantes são as “adequadas”. Para a Fenprof, este valor “sugere que, após o encerramento das escolas [a 16 de Março], houve uma quebra de contacto entre os docentes das turmas e os de educação especial”, o que tem motivado protestos por parte de pais. Entre os professores que estão a par do trabalho desenvolvido com os estudantes com mais necessidades, 43,9% consideram que as medidas de apoio têm sido “adequadas”.

Do que não existem dúvidas é que esta experiência em curso há mais de três meses veio agravar as desigualdades existentes entre os alunos. É essa a opinião de 93,5% dos professores. Entre as razões apontadas para tal figuram a “falta de apoios” e “questões de ordem social que, já tendo contornos graves, se tornaram ainda mais problemáticas, com dois milhões de trabalhadores a ficarem em layoff ou no desemprego”. “Esta situação tem forte repercussão no funcionamento das famílias, designadamente no acompanhamento dos filhos”, destaca a Fenprof.

“A tentativa de reproduzir à distância os mecanismos do ensino presencial violou os direitos dos alunos, dos professores e das famílias de forma sistemática e imponderada. Ludibriou os alunos e as famílias”, aponta um dos professores questionados. Outro tenta ser mais benévolo, mas o diagnóstico não chega a ser positivo: “Ainda que considerássemos as medidas do Governo como as possíveis face à nova realidade, digamos que é um penso pequeno para uma ferida muito grande.”

Estado de exaustão

Cerca de 65% dos inquiridos também não hesitam em considerar que esta experiência de ensino à distância “tem sido mais exigente” do que a das aulas presenciais, sobretudo porque, na prática, deixou de haver horários. “A sobrecarga de trabalho é assustadora e doentia, como se os professores, por permanecerem em casa, tivessem de estar 24 horas disponíveis para a escola”, testemunha uma professora.

Não é assim de estranhar que digam ter atingido um “muito elevado estado de exaustão”, para o qual também tem contribuído a “falta de apoio” por parte do Ministério da Educação. É o que apontam 58,9% dos professores. Já em relação ao apoio por parte das direcções das escolas (86,5%) e dos pais (91,5%), a larga maioria descreve-o como positivo.

Ainda em relação ao Ministério da Educação, refira-se que o apoio positivo destacado é o do lançamento do chamado #EstudoEmCasa, a nova telescola, apontado sobretudo pelos professores dos alunos mais pequenos.   

Quanto ao resto, acrescente-se mais este testemunho: “Faltam dinâmicas mais funcionais, orientações mais precisas e claras, faltam recursos, faltam meios, faltam competências... falta tempo... falta preparação e, às vezes, bom senso…”

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