Suécia vai lançar inquérito à gestão da covid-19 antes do Verão

Primeiro-ministro antecipa comissão que tinha prometido para quando terminasse a crise.

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O primeiro-ministro sueco, Stefan Löfven, que ver se houve falhas na gestão da pandemia LUSA/HENRIK MONTGOMERY

A Suécia vai lançar um inquérito ao modo como foi gerida a pandemia do SARS-CoV-2, disse o primeiro-ministro, Stefan Löfven, numa entrevista esta segunda-feira.

Estava prevista a nomeação de uma comissão de inquérito quando a crise terminasse, mas o chefe do Governo decidiu antecipá-la e garantiu ao jornal Aftonbladet que a comissão vai começar o seu trabalho antes do Verão.

A Suécia destacou-se na gestão da covid-19 por ter tido uma versão mais suave de restrições, passando a aulas à distância nos liceus e universidades mas não nas escolas primárias, e mantendo abertos restaurantes, por exemplo.

Mas a falta de testes (está num lugar baixo na lista dos países europeus em termos de testes) e a situação nos lares, onde morreram muitas pessoas e onde há relatos de falta de equipamento ou mesmo de instruções para os idosos não serem levados para o hospital, levaram a críticas cada vez mais contundentes da estratégia sueca.

Levada a cabo pelo epidemiologista-chefe Anders Tegnell, a estratégia assenta em restrições na maior parte sugeridas e não impostas, e que possam ser mantidas a médio prazo — que os confinamentos mais drásticos dos outros países não permitiam, argumenta.

O país tornou-se um símbolo para quem defende menos restrições, argumentando com os danos económicos provocados pelos confinamentos, mas também na Suécia a economia decresceu, não só pela mudança de hábitos das pessoas como por ser um país muito dependente de exportações.

Tegnell, e Löfven, já admitiram que houve “falhas” na gestão da crise nos lares, embora Tegnell aponte que as mortes entre idosos não foram um problema exclusivo da Suécia.

Mais difícil de justificar parece ser a estratégia de testar tão pouco. Num artigo recente na revista Science, Carina King, especialista em epidemiologia do Instituto Karolinska, lamentava que não tenha sido possível aproveitar o facto de o país ter as escolas a funcionar sem grandes ajustamentos para fazer investigação que respondesse a algumas questões sobre a transmissão do vírus. 

King propôs um protocolo de actuação para estudar surtos em escolas, “mas a falta de financiamento, tempo, e experiência anterior em conduzir este tipo de experiências na Suécia impediu o nosso progresso”. 

Em especial, um caso parece agora uma oportunidade perdida: numa escola onde um professor morreu e 18 dos 76 funcionários tiveram testes positivos para o SARS-CoV-2, e que foi encerrada durante 15 dias por ter tantos funcionários doentes, não foram feitos quaisquer testes aos 500 alunos, que iam da pré-primária ao nono ano.

Testando e vendo as cadeias de transmissão, um estudo nesta escola poderia ter dado informação essencial para responder definitivamente à pergunta, ainda sem resposta, sobre se as crianças, que raras vezes têm sintomas graves da covid-19, transmitem ou não o coronavírus.

“Mas não se pode encontrar o que não se procura”, lamentou, também no artigo da Science, Anita Cicero, especialista da Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins (EUA). “Na Suécia, tiveram uma oportunidade rara para perceber melhor as cadeias de transmissão”, disse. “Os EUA e outros países com escolas fechadas beneficiariam certamente dessa investigação.”

A Suécia fez 238.800 testes, o que dá uma média de 23.657 por milhão de habitantes, um número bastante baixo entre os países europeus, e abaixo também de todos os vizinhos nórdicos. O número de testes feito é apenas um terço do que o próprio Governo tinha estabelecido como meta, diz a agência Reuters. 

Por outro lado, tem um número de casos, e de mortes, maior (4403 mortes) do que os vizinhos, embora Tegnell defenda que só poderá fazer-se uma comparação entre as mortes nos vários países no final da pandemia.

Este domingo, pela primeira vez nas últimas onze semanas, não foram registadas mortes por covid-19 no país, mas o próprio porta-voz da autoridade de saúde disse que esta excepção se poderia dever à menor rapidez de comunicação de mortes durante o fim-de-semana. O porta-voz acrescentou que já aconteceu anteriormente ser comunicado um baixo número de mortes ao fim-de-semana e este crescer com a chegada das notificações durante a semana, cita a agência Reuters. Esta segunda-feira, o país registou oito novas mortes. 

A Suécia ultrapassou recentemente o Reino Unido no lugar do país europeu com a maior taxa de mortes por milhão de habitantes num período de sete dias, segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.

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