Ambientalistas querem mais apoio a empresas para compra de carros eléctricos

Compra de eléctricos resiste melhor à crise mas o apoio do Fundo Ambiental para empresas esgotou-se em cinco meses. Dos 600 mil euros disponíveis, sobram 18 mil e há mais de 250 candidatos em espera.

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Paulo Cunha (Arquivo)

É raro ver ambientalistas e construtores de carros do mesmo lado. A pandemia covid-19 pô-los todos de acordo, ainda que com ligeiras diferenças. Defendem que é preciso um plano de incentivo ao abate de carros em fim de vida e reforçar os apoios do Estado à compra de eléctricos. Mesmo no meio da hecatombe nacional nas vendas, em cinco meses esgotaram-se as verbas do Fundo Ambiental para ajudar empresas a comprar carros de baixas emissões. E esta não é a altura para tirar esse apoio, argumentam fabricantes e defensores do ambiente.

Os dados da ACAP (que representa a indústria da produção e comercialização de carros), mostram que a venda de ligeiros electrificados caiu 35,4% em Abril, bem menos do que o tombo do mercado geral, que caiu quase 85%. Como os eléctricos e híbridos ainda são uma minoria, a derrapagem foi menor do que na concorrência. Mas há outros dados nacionais e europeus que sugerem que o comércio de carros electrificados está mais resilientes à crise provocada pela paragem económica imposta pela pandemia de covid-19.

Até Março, as vendas de veículos eléctricos (100% eléctricos e híbridos plug-in) subiram 57% em termos homólogos, no mercado nacional: compraram-se 4777 automóveis electrificados, dos quais 2676 são 100% eléctricos. Na Europa, as vendas cresceram 80% no último trimestre de 2019, para uma quota de mercado de 4,4%. Enquanto o mercado automóvel caiu 25,6% durante o primeiro trimestre de 2020, a quebra foi menor nos electrificados em mercados relevantes como França, Alemanha e Reino Unido. 

Em Portugal, o Estado apoia pessoas singulares na compra de 700 carros electrificados. Cada cidadão pode obter apoio para uma viatura, com uma ajuda de 3000 euros. Nos primeiros cinco meses de 2020, já “voaram” 468 apoios, ou seja 66,8% da ajuda disponível. No segmento das empresas, nos mesmos cinco meses, a verba esgotou-se.

O Fundo Ambiental tinha 600 mil euros para apoiar 300 carros electrificados e, a 25 de Maio, já só há nove vagas disponíveis, mas com 13 candidaturas ainda à espera de decisão. Além disso, há 253 candidaturas em lista de espera. O que revela bem o interesse suscitado pelo canal empresarial, que pode candidatar-se a mais apoios mas tem menos dinheiro disponível.

Um estudo hoje divulgado pela Federação Europeia dos Transporte e Ambiente sugere que é preciso não deixar cair o apoio ao canal empresarial, até porque este garantiu 57% das compras de carros na Europa em 2019. Dito de outra forma, são as empresas quem mais compra e, por isso, convém manter os incentivos para carros que emitam menos CO2.

Para Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, é evidente que “há necessidade de reforço” dos incentivos. Isso passa por medidas “excepcionais”, como um programa de incentivo ao abate de veículos em fim de vida e mudanças temporárias nas regras dos apoios concedidos por aquele fundo. Ainda que proponha moldes diferentes, é aqui que a Zero vai ao encontro de duas reivindicações que também já tinham sido postas em cima da mesa pela associação que representa os fabricantes de carros. 

Segundo a Zero, o Governo “deveria, pelo menos até ao final do ano, apoiar o abate de veículos em fim de vida com mais de 15 anos”. A ACAP, no seu Plano de Apoio ao Sector Automóvel, apresentado em pleno confinamento covid-19, tinha fixado o limite de 12 anos.

Porém, para a Zero, o incentivo ao abate só se verificaria “no caso de serem adquiridos automóveis 100% eléctricos”, ao passo que, para a ACAP seria válido desde que o carro novo tenha emissões mais baixas que o velho. Para incentivar a troca, diz a Zero, quem entrega um carro velho e compra um eléctrico teria direito a um incentivo em "montante superior”.

Portugal tem um dos parques automóveis mais envelhecidos de entre os países do Ocidente europeu, com uma média de idade de 12,7 anos. A ACAP diz que seria necessário substituir 330 mil carros para retirar um ano a essa média.

Outra proposta da Zero é suspender, pelo menos temporariamente, os limites no apoio do Fundo Ambiental. “Considera-se indispensável não limitar a quatro incentivos por pessoa colectiva os apoios à compra de veículos ligeiros quer de passageiros, quer de mercadorias, por parte das empresas”, afirma, acrescentando que deve ser “fornecido suporte” à instalação da infra-estrutura de carregamento, “com prioridade aos edifícios com vários apartamentos, escritórios e propriedades comerciais”.

“Os governos já estão a anunciar programas de recuperação. Esse investimento público deve reflectir as nossas metas climáticas de longo prazo e garantir uma recuperação verde”, advoga Francisco Ferreira. “É de extrema importância direccionar os esforços de recuperação económica para as energias renováveis, transportes com zero emissões e infra-estruturas de suporte. O actual protagonismo do automóvel eléctrico deve continuar, o que também ajudará a indústria automóvel a cumprir as metas de CO2”, salienta.

O PÚBLICO tentou ouvir o Ministério do Ambiente e da Acção Climática, mas não recebeu respostas em tempo útil.

O estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente recusa, tal como a associação Zero (que pede um “choque eléctrico” que apoie a transição para um transporte mais limpo em CO2), que se baixe os limites de emissões de CO2 na Europa, como já chegou a ser sugerido no âmbito das medidas de apoio à indústria automóvel.

Os fabricantes preparavam dezenas de modelos electrificados para 2020 e, segundo aquele estudo, isso resultava de uma estratégia que começava a dar frutos e que, mesmo na era pós-covid, será um caminho para sair da crise que literalmente parou a indústria.

A Europa anunciou 60 mil milhões de euros de investimento a produção de carros electrificados (dos quais 12,2 mil milhões para baterias), só em 2019, o que é 19 vezes mais do que o investimento anunciado pela mesma indústria europeia em 2018. Isso indica que o investimento na China, que liderava nesta área, é agora quatro vezes mais pequeno do que o prometido na Europa, conclui o estudo, salientando que nesse cenário, só há uma coisa a fazer: continuar a apoiar a compra de carros eléctricos por empresas porque “o principal impulsionador da procura por carros eléctricos na Europa vai ser o canal empresarial”.

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