Filhos de saudita exilado foram “raptados” para forçar o seu regresso ao país

Saad al-Jabri tem acesso a décadas de informações que podem comprometer o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman. Exilado no Canadá, não sabe dos dois filhos que foram impedidos de sair da Arábia Saudita.

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O príncipe herdeiro, Mohammed Bin Salman, é acusado de liderar uma purga para consolidar o seu poder POOL New

Dois filhos do saudita Saad al-Jabri, um dos principais aliados dos Estados Unidos nas operações contra a rede terrorista Al-Qaeda e o Daesh, foram detidos na Arábia Saudita por ordem do príncipe herdeiro e governante de facto do reino, Mohammed bin Salman. A partir do Canadá, onde se exilaram há dois anos, os outros filhos de Al-Jabri dizem que o pai está a ser alvo de chantagem para regressar ao país, onde temem que seja preso ou assassinado.

Até 2017, Saad al-Jabri foi um dos mais importantes e influentes membros dos serviços secretos sauditas, braço direito do antigo ministro do Interior Mohammed bin Nayef, que chegou a ser o primeiro na linha de sucessão ao rei Salman.

A partir de 2017, quando Bin Nayef foi afastado da sucessão e trocado pelo actual príncipe herdeiro, Saad al-Jabri perdeu a influência que tinha conquistado nas décadas anteriores e passou a ser mais um alvo da purga em curso para a consolidação do poder de Mohammed bin Salman (conhecido pela sigla MBS).

Apanhado no estrangeiro nos primeiros tempos dessas mudanças no reino do Golfo Pérsico, Al-Jabri decidiu exilar-se no Canadá, e não nos Estados Unidos, temendo que as boas relações entre MBS e a Administração Trump facilitassem a sua extradição. Para trás, na Arábia Saudita, ficaram dois dos seus filhos – Omar, de 21 anos, e Sarah, de 20 –, impedidos de saírem do país por ordem do príncipe herdeiro.

"Raptados de madrugada"

Agora, a partir do Canadá, a família de Al-Jabri fez saber que Omar e Sarah foram detidos na madrugada de 16 de Março e que estão incontactáveis.

“Foram raptados e arrancados das suas camas por cerca de 50 agentes sauditas, que chegaram [à casa da família em Riad] em 20 veículos”, disse um dos irmãos, Khalid al-Jabri, à BBC. A notícia da detenção de Omar e Sarah já tinha sido avançada pelo New York Times na semana passada, citando um outro filho de Al-Jabri: “Eles foram raptados quando estavam na cama. Nem sei se ainda estão vivos ou se estão mortos.”

Segundo a família, o objectivo é pressionar Saad al-Jabri a regressar à Arábia Saudita, em mais um capítulo da luta pela consolidação do poder de MBS.

“Eles são reféns e o resgate é o regresso do meu pai. MBS não quer deixar pontas soltas, e agora decidiu que o meu pai é a maior dessas pontas”, disse Khalid al-Jabri.

Nos últimos anos, vários membros da família real foram afastados, muitos deles detidos e acusados de corrupção, numa purga que levou também à perseguição de opositores do príncipe herdeiro no estrangeiro – e que teve o seu auge na indignação internacional com o assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018, no consulado saudita em Istambul, na Turquia.

“Estamos a testemunhar um número de casos sem precedentes em que as famílias são usadas como reféns para intimidar activistas que vivem no estrangeiro”, disse o investigador Abdullah Alaoudh, que estuda as relações entre cristãos e muçulmanos na Universidade de Georgetown, em Washington.

Num artigo publicado no domingo, no Washington Post, Alaoudh dá como exemplo o perdão anunciado pelo filho de Jamal Khashoggi aos assassinos do seu pai, na passada quinta-feira. “A família de Khashoggi não é diferente de qualquer outra família saudita que enfrenta uma pressão tremenda e intimidação por parte do Governo saudita.”

Espião temido

A importância de Saad al-Jabri para quem detém o poder na Arábia Saudita é inegável.

Formado em Ciências da Computação e com um doutoramento em inteligência artificial pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, Al-Jabri teve acesso aos maiores segredos do reino ao longo dos anos em que foi o braço direito de Mohammed bin Nayef no Ministério do Interior – a pasta que garante a coesão do reino ao travar as ameaças contra a Casa de Saud e a autoridade religiosa wahhabita, a versão ultraconservadora do islão sunita praticada na Arábia Saudita.

“MBS fica nervoso com qualquer pessoa que esteja fora do seu controlo”, disse ao New York Times Gerald M. Feierstein, antigo embaixador norte-americano em Sanaa, no Iémen. “E Al-Jabri saberá onde estão enterrados os corpos”, sublinhou o antigo responsável, referindo-se às décadas de informações secretas a que o saudita terá acesso, incluindo possíveis crimes e outros casos comprometedores para MBS.

Antes de ter caído em desgraça, Saad al-Jabri era um interlocutor privilegiado na troca de informações com os Estados Unidos e o Reino Unido. E, tal como o seu antigo chefe e príncipe herdeiro Bin Nayef, era visto como muito favorável à política externa norte-americana.

Em 2010, foi ele o responsável pelo falhanço de um plano da Al-Qaeda no Iémen para fazer explodir uma bomba num avião com destino a Chicago, nos Estados Unidos.

Com base nas informações recolhidas por um agente saudita, os responsáveis norte-americanos foram avisados de que o avião transportava uma bomba dissimulada num cartucho de tinta para impressoras, e o plano foi travado numa escala no Aeroporto de East Midlands, no Reino Unido.

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