Covid-19: Investigadores devem trabalhar em conjunto para dar robustez aos estudos

Há 300 estudos clínicos registados nas bases de dados europeias, incluindo sete com investigadores portugueses.

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Fernando Veludo/NFactos

A Rede Portuguesa de Investigação Clínica alerta para a necessidade de investigadores que em Portugal trabalham a covid-19 falarem com colegas internacionais para poderem dar robustez aos estudos, garantir ensaios sólidos e evitar os que não saem do papel.

Apontando um artigo publicado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA, sigla em inglês), Joana Batuca, gestora da Rede Portuguesa de Infra-estruturas de Investigação Clínica (PtCRIN) sublinha a chamada de atenção da EMA para que os ensaios clínicos sejam bem desenhados e com robustez suficiente, evitando ter centenas deles submetidos às autoridades, mas que depois não conseguem obter provas científicas suficientes.

No artigo da EMA na semana passada, diz-se que há 300 estudos clínicos registados nas bases de dados europeias, mas a maior parte deles são estudos observacionais, onde, por exemplo, não existe comparação com placebo. “Mesmo no poder de evidência clínica são diferentes. No topo estão os ensaios clínicos, com evidência e segurança para o doente”, explicou à agência Lusa, na véspera do Dia Internacional dos Ensaios Clínicos, Joana Batuca, que é correspondente europeia de Portugal na Rede Europeia de Infra-estruturas para a Investigação Clínica (ECRIN, na sigla em inglês).

Nos 300 estudos registados nas bases de dados europeias, a maioria resulta de iniciativas de um só país. Apenas 36 têm como objectivo recrutar mais de 1000 doentes.

Em Portugal estão registados nas bases de dados sete estudos clínicos relacionados com a covid-19, alguns internacionais, com maior número de doentes e que podem oferecer maior solidez de resultados. Um deles já existia antes da pandemia e estudava doentes com pneumonia, mas os investigadores acabaram por alterar o protocolo para passar a recrutar doentes com covid-19, e o outro é um ensaio clínico com remdesivir (antiviral usado no vírus do ébola) para o qual Portugal também vai recrutar doentes. 

Há ainda o Solidarity, delineado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que vai recolher provas científicas sobre algumas opções de tratamento para a covid-19. Na semana passada foi anunciada a participação portuguesa neste ensaio clínico.

Os restantes são “estudos observacionais”, de iniciativa dos investigadores, mais económicos e menos complexos, que investigam temas como o comportamento de lavagem das mãos durante a pandemia, a relação do novo coronavírus com a vitamina D e a relação da doença com o microbioma.

“Este tipo de estudos têm amostras menores, não têm de estar registados na base de dados nem no Infarmed. Basta a comissão ética do hospital onde ele vai ser realizado”, explicou Joana Batuca, sublinhando que, como há várias iniciativas em cada país, a PtCRIN tem tentado “pôr investigadores a falarem uns com os outros para transformar estes estudos em iniciativas internacionais, aumentando a robustez do estudo”. “É preciso pôr os investigadores a falarem uns com os outros. Senão, podemos ter a mesma pergunta a ser respondida em Espanha, Itália e Portugal. O que acontece é que, se não falarem entre si, como não há harmonização da pergunta e dos dados recolhidos, há menos robustez no resultado”, explicou.

Joana Batuca considera que os investigadores portugueses “deviam apostar nos ensaios clínicos mais controlados”, mas reconhece que, como exigem mais investimento, são mais difíceis de concretizar”. “Esperemos que, com a Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica [criada há dois anos], se possa incentivar mais o investimento na investigação clínica.”

A especialista defende que são importantes as iniciativas que partem dos investigadores, pois “são eles que estão na prática clínica e que fazem as perguntas”. Mas sublinha que, em casos de pandemia, “também é importante haver orientações dos governos e da Comissão Europeia sobre como actuar e que ensaios devem avançar”: “No fundo, a EMA, no artigo que publicou, diz isso mesmo. Interpreto a posição da agência como um apelo para a Comissão Europeia, governos e instituições se organizarem e utilizarem as infra-estruturas que já existem.”

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