Hoje está bem, mas Tiago sabe o que é ser maltratado no local de trabalho por ser transexual

Durante o processo de mudança de sexo, as alterações não são só físicas e podem criar situações complicadas no local de trabalho. Este domingo celebra-se o Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia.

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Nuno Ferreira Santos

A idade dos “porquês” foi um bocadinho diferente para Tiago Gomes, 22 anos. Desde cedo não percebia por que era fisicamente diferente do irmão. E, apesar das dificuldades em compreender estas diferenças terem diminuído com a idade, os “porquês” e o mau estar não mudaram. Tiago nasceu num corpo feminino. Se crescer não foi fácil, arranjar trabalho também não. Se o seu cartão de cidadão tinha um nome de mulher, por que não podia tratá-lo pelo que escolheu? Este domingo celebra-se o Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia.

Esta data procura chamar à atenção para situações de violência e discriminação contra a comunidade LGBT. Segundo dados do Observatório da Discriminação, uma iniciativa da Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo (ILGA Portugal), que recolhe e analisa dados relativos a denúncias de situações de discriminação, em 2018, 12,5% dessas situações aconteciam no local de trabalho. 

No mercado laboral desde os 16 anos, Tiago começou a trabalhar na área de apoio ao cliente aos 18, como ainda não tinha alterado o seu nome, nos documentos constava o de nascimento. Era esse que os empregadores usavam e faziam questão que ele o usasse. Além daquele nome ser exposto em vários locais, contra a vontade de Tiago, também os colegas de trabalho faziam comentários maldosos sobre a sua identidade de género.

Quando pediu para não o fazer foi mandado para casa, disseram-lhe para aguardar um contacto, enquanto procuravam uma solução. Não querendo perder o emprego por faltas, no dia seguinte, Tiago apresentou-se na empresa. “Foi-me barrada a entrada”, conta Tiago por videochamada ao PÚBLICO. Foi informado que ia ser transferido, mas os comentários e abusos continuaram. Antes de terminar o contrato, esteve de baixa psicológica. A situação tinha-o afectado “ao ponto de não conseguir estar dentro da empresa sem estar constantemente alerta, sem estar constantemente sob stress e nervoso”.

Depois de sair daquele ambiente tóxico, realizou uma mastectomia. Agora Tiago quer tirar o útero. “A nível de cirurgias genitais não tenciono proceder com as mesmas e portanto, para mim, a minha transição irá estar finalizada quando realizar a histerectomia”, explica.

Há um ano e com necessidade de trabalhar, meses depois da operação Tiago entrou no gigante sueco Ikea, mas de “pé atrás” pois estava “escaldado” da experiência anterior. No entanto, apesar da insegurança, desde o primeiro dia que se sentiu incluído e sem necessidade de se esconder. “Não houve nunca qualquer distinção, muito pelo contrário”, conta sobre o seu percurso na empresa onde continua a trabalhar. Colegas “com uma energia completamente diferente” e possibilidade de “progressão na carreira” estão incluídos nesse percurso.

Tendo experienciado transfobia, em primeira mão, no local de trabalho, Tiago acredita que para a combater é crucial um esforço colectivo. “Necessitamos realmente de tomar uma posição e de tentar fazer o melhor que todos nós conseguirmos, tanto individualmente tanto em termos de grupo, de Governo, de empresas em geral”, declara.

Helen Duphorn, country manager da Ikea Portugal, concorda. “Se houver muita gente parecida, não há muitas coisas novas, não há muita criatividade, não há muita inovação”, argumenta, explicando por que está a empresa disponível à heterogeneidade. Em 2015, a marca uniu-se a organizações como a holandesa Workplace Pride Foundation e a britânica Stonewall, que visam a inclusão da comunidade LGBT+ no local de trabalho. Ainda hoje, a empresa sueca procura “aliados” que a ajudem na luta pela igualdade. “Faz parte do nosso ADN sermos inclusivos”, conclui.

Texto editado por Bárbara Wong

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