Proteção internacional e o papel do Conselho Português para os Refugiados

As críticas apontadas à conduta do CPR são fundamentalmente desajustadas. Não se pode esperar que todo um sistema de acolhimento de requerentes assente numa única entidade não governamental. Nem se pode esperar que um sistema de acolhimento preparado para um número reduzido de pessoas se torne infinitamente elástico.

1. Intervenientes na proteção internacional em Portugal

A garantia que qualquer pessoa com receio fundado de perseguição se possa deslocar para outro Estado e aí ser acolhida é o princípio fundamental da proteção internacional, previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. O seu principal instrumento é a Convenção de Genebra de 1951, sendo regulada em Portugal pela Lei de Asilo, que transpõe para a ordem jurídica nacional o direito comunitário referente a esta temática. Esta lei estabelece as competências do Ministério da Administração Interna (MAI) e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) em matéria do procedimento de asilo, acolhimento, acesso a saúde e condições materiais dos requerentes de proteção. 

O Conselho Português para os Refugiados (CPR) é uma associação de solidariedade social, constituída em 1991, sem fins lucrativos, e tem o estatuto de Organização não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD). É uma instituição independente e do foro da sociedade civil.

O CPR tem como missão a defesa do direito de asilo e o acolhimento da população por este abrangida, e intervém no domínio jurídico e social. Gere três centros de acolhimento que prestam alojamento e serviços básicos tais como o aconselhamento individual jurídico, o ensino da língua portuguesa e apoio ao emprego e integração social. Requerentes e beneficiários de proteção têm assim salvaguardado, após a chegada à sociedade de acolhimento, acesso às condições essenciais de apoio e de subsistência. Os serviços prestados pelo CPR asseguram este direito, sendo o financiamento garantido por fundos internacionais e europeus integrando comparticipação nacional através de acordos com as autoridades portuguesas. Finalmente, e numa lógica de intervenção comunitária e de promoção da integração e multiculturalidade, o CPR gere ainda uma Creche/Jardim de infância.

Especificamente para o apoio social a esta população, foi criada, em 24 de setembro de 2012, a Comissão de Acompanhamento e respetivo Grupo Operativo, que inclui as entidades diretamente intervenientes como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o Instituto da Segurança Social (ISS, I.P.), a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Instituto de Emprego e Formação Profissional, Ministério da Saúde e Ministério da Educação, entre outras.

Portugal recebe três grupos com necessidade de proteção: espontâneos, reinstalados e recolocados. Os dois últimos integram programas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) ou mecanismos de solidariedade no âmbito da União Europeia.

Os pedidos espontâneos, aqueles que são apresentados em território ou postos de fronteira nacionais, registaram uma subida substancial: de 442 pedidos em 2014, para 1716, no ano passado. Este aumento, apesar de baixo no contexto da União Europeia, veio comprometer o sistema nacional preparado para grupos mais reduzidos.

2. Alojamentos transitórios e encargos associados

Perante o aumento de pedidos e com os centros de acolhimento esgotados, o CPR viu-se confrontado com a necessidade de identificar rapidamente locais de alojamento. Esta procura coincidiu com a intensificação da pressão imobiliária em Lisboa, que gerou escassez e encarecimento da habitação. O CPR foi, assim, conduzido a soluções de alojamento externo e coletivo em hostels (pensões), privilegiando a convivência comunitária e o apoio mútuo, alguns deles com condições precárias, e outros que rapidamente atingiram a lotação máxima, tendo em conta a dificuldade da transição do apoio desta população para outras entidades legalmente competentes. Apesar disso, fizeram a diferença entre os requerentes pernoitarem num local abrigado, ou na rua. Note-se que o procedimento de asilo obriga a momentos presenciais junto da autoridade competente, levando à necessidade de permanecer em Lisboa, ou na sua vizinhança, durante a fase inicial.

Por outro lado, o CPR assumiu um encargo financeiro pesado. Efetivamente, desde 2017 que o CPR tem insistentemente alertado as diversas entidades envolvidas, quer para os problemas associados a estas interrupções no financiamento, quer para a inoperacionalidade do acolhimento. A ausência de uma solução persistiu e a forma de alojamento descrita, já de si precária, tornou-se insustentável no contexto pandémico.

3. Alojamentos precários e pandemia

Após o primeiro caso detetado de covid-19, em Lisboa, no passado dia 17.04.2020, e na sequência da realização de testes a todos os requentes que residiam no mesmo alojamento, houve a transferência do grupo para o Centro da Força Aérea da Ota. Foi implementado um plano de contingência coordenado pela Secretaria de Estado para a Integração e as Migrações (SEIM), Proteção Civil, Direção-Geral da Saúde (DGS) e Câmara Municipal de Lisboa (CML), e no qual o CPR colabora. Todos os requerentes alojados em hostels estão a ser acompanhados e testados, os resultados são divulgados, de forma a garantir tanto a saúde dos requerentes como a pública.

Em simultâneo, em 24.04.2020 foi constituído pelas autoridades portuguesas um Gabinete de Crise composto por: MAI, SEF, MTSSS, ISS, I.P., Secretaria de Estado para a Integração e as Migrações (SEIM), DGS, Alto Comissariado para as Migrações (ACM), CML, SCML e CPR, que tem vindo a detetar, corrigir e atuar sobre as principais falhas. Pretende-se que, mesmo em fase de pandemia, e apesar das dificuldades dos últimos anos, o acolhimento residencial desta população seja feito mantendo o respeito pela dignidade individual e pela saúde pública. No seu âmbito foi tomada uma importante medida: o MTSS passa, com efeitos imediatos e nos termos da Lei do Asilo, a assegurar o apoio aos requerentes já sinalizados pelo CPR. O CPR tem-se centrado na resolução da sobrelotação dos alojamentos, através de uma redistribuição dos requerentes e na identificação de locais alternativos.

O Fórum Refúgio, composto por grupos da sociedade civil, nomeadamente de refugiados, tem garantido a sua presença nos locais de residência dos requerentes, assim como a Junta de Freguesia de Arroios, onde estão localizados alguns dos alojamentos externos, que tomou a boa iniciativa de responder às necessidades essenciais de alimentação e higiene.

As ações descritas vieram retirar alguma pressão que, no decorrer dos anos, foi sendo acumulada pelo CPR. Na prática, este vinha a garantir a parte substancial do alojamento dos requerentes, sem ter nem a responsabilidade total atribuída nem os recursos suficientes para a realizar. Fê-lo consciente de que os meios estavam aquém, que a tarefa extravasava as suas competências e que não poderia ser realizada respeitando padrões exemplares de acolhimento. Ainda assim, perante a decisão entre o acolher ou não acolher, o CPR acolheu.

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Centenas de migrantes em hostels de Lisboa têm vindo a ser testados EPA/TIAGO PETINGA

Apesar da preocupação do CPR com as condições de acolhimento dos requerentes, não pode deixar de sublinhar que a pandemia é uma questão de saúde pública e que esta operação, bem como as próximas operações que se vierem a realizar, fazem parte de um plano da DGS, como o que está a ser efetuado noutros locais com vivência comunitária, como os lares, pousadas da juventude, outros alojamentos coletivos.

4. Críticas à intervenção do CPR

Neste contexto, as críticas apontadas à conduta do CPR são fundamentalmente desajustadas. Não se pode esperar que todo um sistema de acolhimento de requerentes assente numa única entidade não governamental. Não se pode esperar que com verbas destinadas ao pagamento do alojamento, se consiga ampliar o apoio a outros conjuntos de necessidades, como o acompanhamento de proximidade. Nem se pode esperar que um sistema de acolhimento preparado para um número reduzido de pessoas se torne infinitamente elástico.

O CPR é uma organização com mérito reconhecido nacional e internacionalmente. É parceiro operacional do ACNUR e membro do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (European Refugee Council). Trabalha em estreita colaboração com as autoridades e a sociedade portuguesa implementando medidas que garantam o direito do asilo, apoiem os requerentes e os refugiados no acolhimento pós-chegada e nos seus percursos de integração. Desenvolve iniciativas que visam formar e informar a sociedade para a proteção internacional. Tem o seu papel reconhecido na Lei de Asilo. Encontra-se perto do seu 30.º aniversário, com um percurso de que se orgulha e sendo a principal recompensa os milhares de refugiados apoiados na reconstrução das suas vidas.

5. Orientação futura

O atual momento também demonstrou que é possível reestruturar, potenciar e criar novos recursos, portanto estamos longe de ter atingido o limite da capacidade de acolhimento nacional. Ocorreu, sim, o esgotamento do modelo de alojamento em vigor, que tem de ser corrigido. É igualmente imperativo que as ocorrências que originaram a atenção mediática dos últimos dias não se transformem em desencadeadores de racismo e xenofobia.

Não se trata de uma missão fácil, mas o CPR está empenhado em concretizar soluções. Para tal, e cientes de que a salvaguarda e a coordenação da proteção internacional cabem, antes de mais, ao Estado português, no âmbito de responsabilidades internacionalmente assumidas, o CPR trabalha com todas as entidades que partilham um objetivo muito claro: defender o direito de asilo e apoiar todos aqueles que necessitem de refúgio em Portugal.

A Direção do CPR,

Mónica D’Oliveira Farinha
Tito Campos e Matos
Bárbara Mesquita
Paula Morais
Jorge Macaísta Malheiros

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