Ser mulher em tempos excepcionais

Neste tempo de excepção para quase tudo o que importa a todos, as mulheres mantêm-se firmes nas posições que ocupam.

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Nadim Merrikh/Unsplash

Como mulher, sinto-me privilegiada por ter a honra de conhecer inúmeras outras tão bem quanto à palma da minha mão.

No silêncio e delicadeza da intimidade única, por demais privada em que assenta o exercício da minha profissão, guardo na memória do coração os segredos, os sorrisos, as lágrimas, as dores e os desvelares de si mesmas em descobertas surpreendentes.

Em múltiplas narrativas, os nomes que as identificam dão-lhes substância inteira tornando-as parte integrada e integrante (verdadeiramente inscritas) do todo a que pertencem — sociedade, família, pares conjugais e amorosos, nas amizades, no trabalho.

Registo no lugar mais profundo de mim o “milagre” das transformações interiores muitas vezes necessárias, tanto quanto indispensáveis para que cada mulher se restabeleça, se (re)conheça, se perdoe, se reinvente, se reclame, se nomeie, se ame. Enfim, aconteça.

Gostaria muito que este tempo presente fosse o tal em que a palavra “mulher” se pronunciasse com frescura, alegria, vitalidade, coragem, justiça e determinação para que possa ocupar, sem reservas nem ocultações — com futuro! — o seu lugar pleno.

Neste tempo de excepção para quase tudo o que importa a todos, as mulheres mantêm-se firmes nas posições que ocupam. Não só nas clássicas que desde sempre lhes foram atribuídas, mas em tantas outras que, pelo caminho (geral e de cada uma) foram conquistando para si.

Ser mulher é ser alguém que em nome e sintonia com a natureza – A Terra Mãe - traz consigo em-quase-essência a sabedoria antiga do silêncio de uma espera ininterrupta e interminável por renascimento.

Mais do que ser passiva, a mulher acompanha num ritmo de paciência a constante dinâmica da vida. Abraça-a desde a origem, acolhe-a, acalenta-a, nutre-a, ensina e cuida. Transforma a vida em algo suportável, tanto quanto mutável, de forma exemplarmente criativa. Constantemente. Continuamente.

Ser mulher é ser co-criadora de sentidos, da História, do presente e do futuro. Mestres na arte de conviver de perto com o silêncio e de nele, muitas vezes, se formarem, as mulheres são particularmente desenvolvidas num conjunto de competências mentais, psicológicas e relacionais que, em tempos de crise maior, se revelam fundamentais para a progressiva criação de soluções. A capacidade de abertura ao desconhecido, a par da resiliência emocional e afectiva assim como do sacrifício de si em prol de outros, mostram-se agora muito importantes.

A conhecida fluidez do seu lado emocional, irrigando as células do pensamento tornando-o hábil na capacidade de resolução de problemas, assim como a facilidade maior em usar a linguagem para se comunicarem, ocupam também um lugar de destaque neste tempo único. A conhecida competência de fazer muitas coisas ao mesmo tempo (multitarefas), aliada à desenvoltura organizadora do caos é crucial.

As mulheres são ainda tradicionalmente corajosas quando se trata de lidar com dimensões de dor, sejam elas físicas ou emocionais. Conhecem de cor a necessidade de viver (e se viverem) com regras, muitas vezes desconfortáveis, penosas, limitadoras. Subsistem e persistem na construção e manutenção da sua individualidade, autonomia e independência de forma ímpar. Raramente desistem dos sonhos e mesmo quando se deprimem ou se assustam tremendamente, pedem ajuda com facilidade.

As mulheres são mestres em vulnerabilidade, isto é, aceitam com modéstia e humildade os limites que são os seus, e com frequência admitem as suas fraquezas ou fragilidades. As mulheres são mais que heróis, guerreiras. Lutam com força por si e pelos seus, muitas vezes em sofrimento. Conhecem por dentro as maiores falácias da história e arrecadam na bagagem de género os preconceitos ultrajantes e ameaçadores mais atrozes. No silêncio, sabem dos invisíveis agressores que contra si e os que amam continuam em progresso.

Gostaria muito que este tempo fosse o tal em que as mulheres e os homens, da sociedade em que vivemos, se unissem formando o todo completo. Que colaborassem de igual modo na reconstrução do mundo e pudessem, de mãos dadas, lado a lado, continuar a travessia. A mudança está em curso e parece incontornável. O desafio é tremendo, longo e exigente quanto ao renascimento. Convoquem-se as mulheres, dentro de si e por fora, para que o novo aconteça com verdade, igualdade e maior plenitude de humanidade. 

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