Caos ensombra eleições presidenciais polacas, cuja realização permanece incerta

O Governo nacionalista quer realizar as eleições através do voto por correspondência, apesar do boicote da oposição e de arriscar perder a maioria parlamentar.

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Andrezj Duda pretende ser reeleito já no próximo domingo Radek Pietruszka/EPA

A poucos dias da data oficial das eleições presidenciais, milhões de polacos continuam sem saber como vão votar ou sequer se vão votar no próximo domingo. No meio da pandemia de covid-19, o Parlamento vai decidir se as eleições vão ser realizadas inteiramente por voto postal.

Como na esmagadora maioria dos países atingidos pela pandemia do novo coronavírus com eleições marcadas, na Polónia também se debateu o adiamento das presidenciais, agendadas para 10 de Maio. Essa foi a solução encontrada em mais de 50 países, com a excepção da Coreia do Sul, que obteve o consenso dos partidos políticos para manter a data das eleições legislativas, a 15 de Abril, com fortes medidas de higiene e segurança e numa altura em que a taxa de contágios estava já sob controlo.

Não é o que se passa na Polónia, onde a insistência do Governo nacionalista chefiado pelo Partido Lei e Justiça (PiS) em manter a data das presidenciais produziu um cenário de caos institucional. No final de Março, o Executivo aprovou alterações à lei eleitoral para contemplar o voto por correspondência, incluindo a medida num conjunto de iniciativas legislativas para enfrentar a pandemia.

Juristas e constitucionalistas, bem como a oposição, insurgiram-se contra as alterações que violam a disposição que impede que se façam mudanças à lei eleitoral a menos de seis meses de eleições. Mas, numa sessão nocturna e com várias limitações por causa da pandemia, o Parlamento, onde o PiS e os seus aliados dispõem de maioria, acabou por se viabilizar a mudança.

No Senado, porém, onde o Governo não está em maioria, a medida encontrou obstáculos. Sem muitas opções, os senadores da oposição conseguiram adiar por um mês o debate sobre o voto postal, na esperança de que o Executivo, pressionado pela proximidade das eleições, mudasse de ideias.

Se é provável que o Senado chumbe a proposta esta quarta-feira, o desfecho na câmara baixa, o Sejm, é mais incerto. Se pelo menos cinco deputados do partido Acordo, que com o PiS compõe a maioria parlamentar e tem pedido o adiamento das eleições, não aprovarem a medida, a crise política aprofunda-se. Em teoria, diz a Reuters, as eleições mantêm-se para domingo no modelo tradicional, mas ninguém acredita que seja possível realizá-las em condições mínimas. Para além disso, a coligação que suporta o Governo ficaria ameaçada e o país ingovernável.

Pandemia como trunfo

Para o PiS, liderado pelo nacionalista Jaroslaw Kaczynski, as contingências a que a crise de saúde pública obriga tornaram-se num trunfo eleitoral valioso para assegurar a reeleição do Presidente Andrzej Duda, um aliado do Governo. Prova disso é a recusa do Governo em introduzir o estado de emergência, que obrigaria ao adiamento automático das eleições, apesar de ter determinado várias medidas de quarentena. Apesar de o processo de aprovação da lei ainda não ter terminado, os preparativos para o voto postal estão em curso há semanas, diz o Politico.

As sondagens atribuem a Duda uma vitória esmagadora no domingo. Sem oportunidade de fazerem uma campanha eleitoral tradicional, a pouca projecção dos restantes candidatos foi ainda menor nas últimas semanas, enquanto o actual Presidente tem aparecido regularmente nos canais de televisão em virtude da resposta à pandemia. Para além disso, parte da oposição defende um boicote às eleições, caso estas sejam realizadas por via postal.

“Estas eleições não são eleições no sentido legal do termo porque não serão nem livres nem iguais”, afirmou recentemente o ex-primeiro-ministro e figura proeminente da Plataforma Cívica, Donald Tusk. A candidata do partido, Malgorzata Kidawa-Blonska, anunciou que irá pedir aos seus apoiantes para boicotar as eleições no domingo.

Para além de não haver experiência com o voto por correspondência na Polónia (nas legislativas do ano passado, apenas 1571 eleitores votaram desta forma), esta modalidade levanta vários problemas sem uma solução óbvia. Há milhares de pessoas que não habitam nas suas moradas oficiais nem se podem deslocar até lá por causa do confinamento, para além da numerosa diáspora que se encontra em países onde ainda estão em vigor regras de isolamento apertadas, como nos EUA. Há incerteza também quanto à capacidade dos serviços postais de conseguirem distribuir e recolher milhões de votos quando metade dos 30 mil carteiros não estão a trabalhar de momento, lembra o site Quartz.

“Se não houvesse coronavírus e as eleições fossem realizadas em Maio, a oposição não teria grande hipótese de vencer, mas continuaria a ter alguma hipótese”, diz ao Quartz a cientista política Anna Materska-Sosnowska. “Hoje, essa hipótese não existe.”

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