Bolsonaro chama “Judas” a Moro pouco antes do ex-ministro testemunhar contra si

O ex-juiz da Lava-Jato já se tinha mostrado disponível para testemunhar e apresentar provas que corroboram as suas acusações contra o Presidente brasileiro. Bolsonaro disse aos seus apoiantes que “golpe” não vai ter sucesso.

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Manifestação contra Sergio Moro Reuters/ADRIANO MACHADO

O ex-ministro da Justiça brasileiro, Sergio Moro, regressou à superintendência da Polícia Federal de Curitiba, que cumpriu centenas de ordens judiciais suas, entre as quais a da detenção do antigo Presidente Lula da Silva, para testemunhar sobre as acusações de interferência política do Presidente Jair Bolsonaro naquela polícia. Bolsonaro não gostou de o saber e esta manhã chamou “Judas” ao seu antigo ministro, garantindo que ninguém lhe vai dar um “golpe”. 

“Ninguém vai fazer nada ao arrepio da Constituição, fiquem tranquilos. Ninguém vai dar um golpe em cima de mim, não, podem ficar tranquilos”, disse Bolsonaro a apoiantes à porta do Palácio do Alvorada que criticavam o Supremo Tribunal Federal e repetiu no Twitter, adicionando um vídeo com o título Quem mandou matar Bolsonaro.

“O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse?”, continuou, referindo-se a Moro e à investigação sobre os alegados mandantes da facada que sofreu durante a campanha eleitoral, em 2018 – o procurador responsável pelo caso disse não haver indícios disso. 

É mais uma táctica de Bolsonaro para acrescentar ruído a toda a polémica sobre a interferência política na Polícia Federal, desviando as atenções do essencial, e levantar suspeições sobre a credibilidade de Moro, sugerindo se não terá impedido, por motivos políticos, investigações enquanto foi ministro, o que é crime.

O ex-juiz da Lava-Jato, que já se tinha mostrado disponível para testemunhar e apresentar mensagens de WhatsApp que sustentam as acusações contra Bolsonaro, entrou durante a tarde deste sábado na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, no estado do Paraná, para prestar depoimento. Terá como interlocutores dois delegados do Serviço de Inquéritos da Directoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e um procurador regional da República brasileira. 

Na sexta-feira, o juiz Celso de Mello, do STF, intimou Moro a testemunhar nos próximos cinco dias, a contar a partir desse dia, quando as autoridades tinham inicialmente até 60 dias para recolher o depoimento do antigo ministro. Mas um pedido subscrito por deputados, para acelerar os processos legais, fez com que a audiência fosse antecipada devido à gravidade dos crimes alegados contra Bolsonaro. 

O testemunho é um dos principais no inquérito pedido pelo Procurador-geral da República, Augusto Aras, ao STF e poderá ter um desfecho menos favorável para Moro. O antigo ministro, diz a Folha de São Paulo, enfrenta um dilema: ao apresentar as mensagens, pode também incorrer no delito de omissão de ilegalidades cometidas por Bolsonaro, dado nunca as ter relatado às autoridades competentes até sair do Governo. E se não as provar, poderá ser acusado de denúncia caluniosa. 

A braços com a pandemia de covid-19, as denúncias de Moro na conferência de imprensa em que anunciou a sua demissão, na semana passada, vieram abrir uma possível crise institucional. Se o STF concluir que Bolsonaro cometeu ilegalidades, terá aberto o caminho para o processo de impeachment do Presidente, algo que foi tentado por alguns deputados e que até agora resultou em falhanço. 

É por isso mesmo que Bolsonaro usa agora a narrativa de estar em curso uma tentativa de golpe e garante aos seus apoiantes que este não terá sucesso. Por um lado, tenta tranquilizar a sua base social de apoio, por outro, insta-a à acção –​ participou em meados de Abril numa manifestação contra o STF e que pedia o regresso da ditadura militar.

E nas redes sociais, garante o diário brasileiro, os seus apoiantes usam e abusam da narrativa de o STF estar a levar a cabo um golpe de estado, pois, na madrugada deste sábado, as hashtags #GolpedeEstado e #GolpedoSTF figuravam entre os assuntos do momento. 

Além de ter autorizado a abertura do inquérito às denúncias de Moro, o STF suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem, próximo da família Bolsonaro e nomeado pelo Presidente para o cargo de director-geral da PF, e impediu a medida provisória de restrição à Lei de Acesso à informação durante a pandemia, assinada por Bolsonaro. Actos que, na perspectiva dos apoiantes do Presidente, são sinais claros de estar a decorrer um golpe, pelas mãos do poder judicial, contra o executivo. 

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