Câmaras e inteligência artificial para garantir distanciamento. O mundo novo da covid-19

Com a retoma da actividade, os empresários nos Estados Unidos viram-se para a inteligência artificial para garantir que o distanciamento social e outras normas de saúde pública são cumpridas.

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Reuters/Nick Oxford

Lojas e locais de trabalho nos Estados Unidos ansiosos por conter a propagação do novo coronavírus estão a equipar as câmaras de segurança existentes com software de inteligência artificial que pode vigiar o cumprimento das directrizes de saúde, incluindo o distanciamento social e o uso de máscaras.

Várias empresas disseram à Reuters que o software será crucial para manter os negócios abertos, enquanto persiste em todo o mundo a preocupação quanto à covid-19. A implementação da tecnologia permitirá mostrar não só aos trabalhadores e clientes, mas também às seguradoras e reguladores, que as empresas estão a monitorizar as medidas de higiene e a aplicar práticas seguras.

“A última coisa que queremos é que o governador encerre todos os nossos projectos porque ninguém se comporta bem”, disse Jen Suerth, vice-presidente da Pepper Construction, sediada em Chicago, que introduziu o software da SmartVid.io este mês para detectar trabalhadores agrupados num projecto da Oracle Corp em Deerfield, Illinois.

A Samarth Diamond planeia implementar a inteligência artificial da Glimpse Analytics assim que a sua fábrica de polimento reabra em Gujarat, Índia, enquanto dois centros comerciais do Michigan, propriedade da RPT Realty, terão a monitorização de distanciamento da RE Insight dentro de duas semanas.

Os compradores esperam que a tecnologia funcione porque já utilizaram ferramentas semelhantes para traçar o perfil dos compradores que entram nas lojas e encontrar trabalhadores sem capacete nos estaleiros de construção.

No entanto, alguns consultores tecnológicos advertiram os seus clientes retalhistas e proprietários de escritórios contra a introdução de novas tecnologias num momento caótico, investindo em ferramentas que podem ser necessárias apenas durante um período de meses. Os activistas da privacidade, preocupados com a monitorização cada vez mais detalhada das pessoas, estão também a instar as empresas a limitar a utilização da inteligência artificial apenas ao cenário pandémico.

“A questão é saber se a tecnologia permanece depois de o problema de saúde pública desaparecer, e esse é o verdadeiro medo da privacidade”, disse Al Gidari, um perito em privacidade da Stanford Law School. “O vídeo que hoje serve para garantir o distanciamento social na loja permanece para identificar os ladrões amanhã.”

Visão por computador

A Reuters falou com 16 empresas de análise de vídeo, muitas das quais startups com alguns milhões de dólares em receitas anuais, que acrescentaram novos serviços por causa do novo coronavírus. Os seus sistemas podem ser configurados para produzir relatórios diários, que os gestores podem utilizar para corrigir problemas recorrentes e documentar o cumprimento das medidas de higiene e segurança.

A maioria trabalha num ramo da tecnologia de inteligência artificial conhecido como visão por computador ou máquina, no qual os algoritmos são treinados em bibliotecas de imagens para identificar objectos com uma confiança de 80% ou superior.

Vários clientes disseram que a tecnologia para analisar os dados de um punhado de câmaras de vídeo, que anualmente pode custar mil dólares (cerca de 923 euros) ou mais, sai mais barata do que dedicar trabalhadores a vigilância permanente. Também pode ser mais segura, uma vez que alguns guardas que fazem cumprir o distanciamento já entraram em conflito com pessoas que protestam contra as medidas de segurança, afirmaram.

Jan Suerth, da Pepper Construction, disse que o seu sistema SmartVid ainda não registou problemas de aglomeração porque o número de trabalhadores tem sido limitado. Mas Suerth disse que, à medida que mais membros das equipas chegarem, a empresa vai analisar as tendências para emitir lembretes nas “conversas na caixa de ferramentas”.

“É mais um conjunto de olhos no local”, disse Suerth, acrescentando que o software é menos propenso a erros do que as pessoas e que “a precisão que estamos a ver é realmente elevada”.

O gerente da Samarth Diamond, Parth Patel, disse que poderia ajustar os procedimentos quando o software identificasse os pontos onde os seus quatro mil trabalhadores se aglomeram em áreas movimentadas. As pessoas que forem identificadas sem máscara iriam rapidamente receber uma, oferecida por uma equipa que revisse as câmaras, explicou Patel.

“Será certamente útil para a segurança dos trabalhadores e para o seu nível de conforto, e será útil mostrar às autoridades que estamos a aderir” aos regulamentos, afirmou Patel.

Patel confirmou ainda ter confiança nos algoritmos depois de família ter utilizado com sucesso a visão por computador no ano passado nos supermercados de que é proprietária para contabilizar o número de clientes mulheres e decidir onde colocar uma nova linha de vestidos.

Detectar espirros e tosse?

A RPT Realty, que, segundo o director-executivo Brian Harper, utilizou software de inteligência artificial para contar os visitantes nos últimos meses em dois dos 49 centros comerciais ao ar livre que possui nos Estados Unidos, está a avaliar a implementação de tecnologia para garantir o cumprimento das regras de ocupação reduzida por parte dos lojistas em cinco centros comerciais.

A empresa também planeia ajudar os consumidores a decidir quando comprar, utilizando a tecnologia da startup WaitTime para analisar as filas de espera para entrar nas lojas, um fenómeno que se tornou comum durante a pandemia, como parte dos esforços de distanciamento social. Segundo Harper, a contagem, que depois será passada aos consumidores, será anónima. “Nunca se pode ter demasiados dados nas mãos”, disse o director-executivo.

Mas calcular se as pessoas estão a 1,80 metros de distância e detectar objectos, como máscaras faciais, são utilizações inovadoras que estão agora a ser testadas e lançadas em prazos reduzidos. Há startups que até prometem detectar espirros e tosse, afirmações que deixam alguns especialistas cépticos.

“A maioria das soluções estará em território desconhecido, sem um historial comprovado, e provavelmente susceptível a falsos positivos e erros”, afirmou Vinay Goel, antigo gestor de produtos do Google Maps, que é agora o chefe de produtos digitais da unidade tecnológica da gigante dos serviços imobiliários Jones Lang LaSalle Inc.

Para além dos custos, as empresas estão preocupadas com o facto de a inteligência artificial poderá desencadear demasiados relatos de não-problemas, como uma família que caminha junta num corredor, afirmam os consultores retalhistas.

A Indyme, um fornecedor de tecnologia que trabalha com a BevMo!, Office Depot e outros retalhistas dos EUA, disse que os seus clientes preferem caixas rudimentares que possam contar pessoas nas entradas e anunciar automaticamente “Para sua segurança, por favor mantenha um distanciamento social de 1,80 metros, obrigado”.

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