A vida já não é vida sem Internet, muito menos em tempos de corona!

Testemunho de Cláudia Fernandes, professora universitária na Áustria. “Mudei-me há pouco tempo para este apartamento, por isso, parece-me extraordinário que numa altura de isolamento faça amigos entre os vizinhos.”

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Adriano Miranda

Antes

A proximidade geográfica de Itália e a subida vertiginosa do número de infectados fizeram com que o estado de alerta se fizesse sentir na Áustria. Começaram as conferências de imprensa do Governo e a minha mãe também me ligou de Lisboa a sugerir que eu reconsiderasse a minha ida para Florença. A viagem só seria um mês depois e eu pensei que até lá tudo teria passado, tudo seria passado. Não passou...

O coronavírus começou por afectar as minhas rotinas no momento em que o chanceler austríaco anunciou o encerramento da universidade. Nessa noite ia ao teatro e já não fui, o teatro cancelara todas as peças até ao fim desse mês. As minhas aulas começariam no dia seguinte e também não fui à universidade, enviei uma série de emails e tarefas aos meus alunos, enquanto repensava o formato das aulas. Por ingenuidade ou inconsciência, julguei que em três dias nada iria mudar, e cheia de dúvidas embarquei na quinta-feira de manhã para a Grécia (já estava marcado) e voltaria no domingo.

Porém, na sexta-feira, com as notícias em catadupa a anunciarem o encerramento de tudo, o fim do mundo ou do papel higiénico, perdi a vontade de ir às ilhas gregas. Pior do que apanhar o vírus, seria não poder regressar a Viena e ficar retida em Atenas. Voltei nessa mesma noite, tendo ainda tempo para ser confundida com uma refugiada, pois não me parece ser muito normal o meu passaporte [português] ser controlado três vezes e ainda ser-me pedido mais um documento de identificação.

Durante

Frigorífico abastecido, vinho e flores frescas: achei que estaria pronta para enfrentar os dias de clausura. Paradoxalmente comecei a correr na rua (o chanceler deixa!) meia hora por dia, talvez porque o consumo de batatas fritas tivesse aumentado! O pânico e a solidão só se sentiram em minha casa, quando o computador morreu repentinamente (era velhinho, uma possível vítima de covid-19) e o tablet começou a ter chiliques. A vida já não é vida sem Internet, muito menos em tempos de corona! Pedi um carregador (para o tablet) ao vizinho, que conhecera umas semanas antes, e encomendei um portátil novo, que me chegou uns dias depois. Mudei-me há pouco tempo para este apartamento, por isso, parece-me extraordinário que numa altura de isolamento faça amigos entre os vizinhos... que até me trouxeram prendas pela Páscoa! Só saio para ir ao supermercado de dez em dez dias.

Trabalhar de casa não é uma coisa que me seja alheia, mas dar aulas sem ter os meus alunos à frente foi e está a ser uma aprendizagem. Em vez de me queixar do que me falta, resolvi apreciar a vida privilegiada que construí. Tenho um apartamento maravilhoso e o meu trabalho não desapareceu de um dia para o outro. O melhor jogador de póquer não é o que tem as melhores cartas, mas, sim, o que joga bem com qualquer carta que lhe venha parar à mão. Agora posso ver espectáculos portugueses disponibilizados online a que de outra forma eu não teria acesso. Passei a ler diariamente vários jornais em alemão, facto que constava da lista de propósitos de ano novo desde 2010. Faço ginástica todos os dias (ao fim de duas semanas, desisti das corridas) e, se isto durar, hei-de ficar com o corpo escultural que nunca tive! Até fiz um bolo pela primeira vez! Já costumava falar por videochamada com a minha família, mas de repente há mais amigos a ligarem-me e as chamadas passaram a ser bem mais longas.

No entanto, angustia-me o facto de, se quiser ir a Lisboa, não haver essa possibilidade... ou na eventualidade de entrar em Portugal, poder não regressar a Viena. Não conheço uma Europa com fronteiras fechadas, nunca imaginei que os aeroportos pudessem ser encerrados, e isso incomoda-me muito, porque põe em causa a minha forma de estar na vida. Por outro lado, conforta-me ter um Governo consequente que inspira confiança. Teriam o meu voto, se pudesse cá votar!

Julgo que me habituei relativamente depressa ao facto de ter de ficar em casa, pois não tive tempo para pensar no assunto e sofrer por antecipação. De repente, era esta a nova realidade, e face a qualquer desafio, quanto mais depressa nos adaptarmos, melhor (sobre)viveremos.

Depois

Eu pensei que isto passaria num instante e que iria aprender italiano nas férias da Páscoa em Florença. Não estou obviamente habilitada a tecer qualquer tipo de consideração em ciências de futurologia!

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