O dia C

Se o Conselho Europeu falhar outra vez, não é só o Euro que está em risco. É a democracia.

A próxima reunião do Conselho Europeu irá decidir sobre a resposta europeia a uma crise sem precedentes e cujas consequências são ainda difíceis de antever, até porque dependem crucialmente da capacidade de resposta que tiver a União e os seus Estados-membros. Uma coisa é certa: 2020 terminará com falências, desemprego a disparar e uma das maiores recessões da nossa história. Resta saber se será um episódio passageiro ou se a inconsciência, o egoísmo e a irresponsabilidade a transformarão numa nova crise de dimensões incalculáveis.

Desta vez é diferente. Não porque esta crise resulte de um choque simétrico. A outra também. E não porque neste caso não seja culpa das economias periféricas. Na outra, também não era. Desta vez é diferente porque o problema da construção defeituosa do Euro se mantém rigorosamente na mesma, mas as condições económicas, financeiras e políticas são todas piores.

A economia do Euro já se arrastava numa quase-estagnação bem antes da eclosão da crise, apesar de uma política monetária a funcionar a todo o vapor. As economias da periferia estão muito mais endividadas apesar de uma década a suster a respiração, ou melhor, por causa dessa década. E a radicalização política aumentou, seja na versão do racismo subtil do ministro das Finanças Holandês, seja nas novas ditaduras europeias na Polónia e na Hungria, seja nos fascismos a renascer em Itália e Espanha. Se o Conselho falhar outra vez, não é só o Euro que está em risco. É a democracia.

Um dos problemas deste debate é que até as propostas fortes são fraquinhas. O Parlamento Europeu aprovou uma posição favorável sobre eurobonds, mas não para mutualizar dívida anterior, e as propostas sobre financiamento monetário ficaram acantonadas no grupo da esquerda com partes dos Verdes e Socialistas. A proposta do grupo da coesão já era modesta e sobre as decisões do Eurogrupo é melhor nem falar. A aprovação de uma ajuda que ninguém quer fala por si.

A melhor notícia que surgiu neste contexto foi a proposta do Governo Espanhol de emitir obrigações perpétuas com juros reduzidos. Independentemente da solução institucional que se encontre para a concretizar, esta é a ideia em torno da qual todos os países da coesão se deveriam reunir. Uma solução que mobiliza a capacidade de financiamento monetário que a Zona Euro efetivamente possui para responder à crise sem enterrar ainda mais a periferia europeia numa montanha de dívida. 

Felizmente, o presidente do Conselho não é português e assim não há desculpas para não ir à luta. É hora de saber se o Governo vai ou não articular a sua posição com os muitos países aos quais se pode aliar e em torno do quê. E se esse grupo de países está disponível para usar o seu considerável peso económico e político ou se vão acabar a desistir sob protesto.

Se a intransigência não for suficiente, se a decisão dos países que ganham tudo com o Euro for a de recusar uma resposta comum, o Governo terá de retirar conclusões importantes para as políticas a prosseguir no plano nacional. Três prioridades parecem-nos particularmente evidentes:

  1. Uma reforma fiscal que imponha a tributação em Portugal de todos os rendimentos que estão a ser deslocalizados para jurisdições que praticam dumping fiscal, mobilizando todos os instrumentos soberanos necessários;
  2. Moratória sobre o serviço da dívida com o objetivo de libertar os recursos necessários para responder à crise e empreender um processo de reestruturação da dívida, incluindo os credores institucionais;
  3. Aprovação de um programa de investimento público que mobilize emprego público durante o período da crise, orientado por critérios ambientais e de melhoria da balança corrente do país.

Se a decisão das instituições europeias for a de deixar cada país entregue à sua sorte, é com essa decisão que teremos todos de trabalhar. Mas não será certamente com a habitual atitude de melhor aluno da sala. Se a União Europeia não serve para responder à crise, pelo menos que não atrapalhe. Se há governos que só cumprem as regras que lhes interessam e ignoram as restantes, então cumpramos nós as regras que nos podem proteger. As que fazem a nossa democracia e defendem o nosso povo.

Eurodeputados do Bloco de Esquerda

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico​

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