Covid-19: Como o coronavírus deixou inoperacional porta-aviões nuclear francês

O Charles de Gaulle é fundamental para a dissuasão nuclear francesa, mas tem mais de metade da tripulação infectada, porque o comandante continuou a missão, apesar de ter doentes a bordo.

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O navio "Charles de Gaulle", à chegada a Toulon LUSA/BENOIT EMILE
,Navio de guerra
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Desembarque dos marinheiros LUSA/JONATHAN BELLENAND / FRENCH NAVY HANDOUT HANDOUT
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Desinfecção do navio LUSA/JONATHAN BELLENAND / FRENCH NAVY HANDOUT HANDOUT

Mais de metade dos marinheiros do porta-aviões Charles de Gaulle, o navio mais emblemático da Marinha francesa, ficaram infectados com o novo coronavírus durante uma longa viagem pelo Mar Mediterrâneo, Mar do Norte e oceano Atlântico: 1049 das 1760 pessoas que seguiam a bordo tiveram já resultado positivo nos testes de despiste do vírus. Chovem críticas sobre o Ministério da Defesa e o Almirantado por só ter permitido a interrupção da viagem quando já havia um grande número de casos a bordo.

O porta-voz da Marinha, Christophe Prazuck, em declarações à rádio Europe-1, atribuiu a rápida dispersão do vírus entre os tripulantes à “grande densidade populacional no navio”. Prazuck disse que foram postas em prática medidas de protecção, mas estas medidas foram contornadas, e não permitiram à Marinha detectar o início da epidemia, e assim contê-la”.

O Charles de Gaulle é fundamental para a dissuasão nuclear francesa. Transporta aviões Rafale armados com mísseis nucleares – França, juntamente com os Estados Unidos, sublinha o Le Monde, é o único país a dispor de uma armada com poder de tiro nuclear deste nível. Mas, neste momento, não tem tripulantes suficientes para pôr a navegar o seu navio almirante.

O que desencadeia as críticas é que os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus a bordo parecem ter sido mantidos em confinamento no navio, no maior segredo, sem ter sido dado o alerta, diz o Le Monde. Numa carta enviada pelo comandante às famílias da tripulação, citada pelo diário francês, este diz que o navio e a sua escolta continuam empenhados na sua missão de “defesa dos interesses da França”, mesmo em tempos de pandemia viral, e afirma que “neste dia, 20 de Março, não foi constatado nenhum caso de paciente com covid-19.” Acrescenta: “Temos dez marinheiros hospitalizados, o que é o corrente numa missão de longa duração”.

O Le Monde falou com membros da tripulação que dizem que estes marinheiros internados eram os primeiros infectados. Testemunhas dizem que foram isolados, “em toda a discrição”, “que desapareceram”.

No início de Abril, cerca de 40 marinheiros estavam em isolamento, mas continuavam as operações normais no porta-aviões. O comandante reuniu cerca de 150 pessoas numa sala para anunciar a decisão de continuar a missão, relata o Le Monde – embora os comandantes de flotilha ameaçassem não assinar as ordens de voo. A saúde dos pilotos dos Rafale despertava as maiores preocupações.

O alerta só chegou à hierarquia da Marinha quando dois exames aos pulmões de doentes a bordo do Charles de Gaulle foram enviados para terra. E foi a partir dessa data que aumentaram os internamentos a bordo. Mas só a 8 de Abril, um dia depois de a ministra da Defesa, Florence Parly, ter sido pela primeira vez informada pela Marinha da existência de casos de covid-19 no porta-aviões, que a missão do porta-aviões foi encurtada em dez dias, precisamente por ordem da governante.

Até então, o Estado-maior pretendia garantir que a missão fosse levada ao fim, minimizando os riscos sanitários, explicou a ministra numa audição na Assembleia Nacional. “Tomei decisões imediatas e radicais”, afirmou Florence Parly.

Há neste momento dois inquéritos em curso: um sobre as decisões de comando na gestão da crise, e outro ao nível epidemiológico, anunciou o porta-voz da Marinha, Christophe Prazuck. 

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