Desportistas na linha de frente do combate à covid-19

Hélder Silva, Margarida Fernandes, Leila Marques, Mariana Pinto e Ana Rita Barros são exemplos de atletas que têm ajudado em diversas frentes da luta contra o novo coronavírus.

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O canoísta olímpico Hélder Silva combate a covid-19 na GNR LUSA/PAULO NOVAIS

São cinco exemplos, entre muitos dos que estão na linha de frente do combate à pandemia da covid-19. Com o desporto colocado em “stand-by”, Hélder Silva, Margarida Fernandes, Leila Marques, Mariana Pinto e Ana Rita Barros têm ajudado em diversas frentes da luta contra o novo coronavírus.

O canoísta olímpico Hélder Silva combate a covid-19 com a mulher na GNR, profissão que representa um risco ainda mais agravado com a necessidade de deixar o filho de 19 meses com os sogros.

“É complicado, às vezes, quando vamos trabalhar os dois e, com as escolas fechadas, temos de deixar o nosso filho em algum lado, neste caso nos meus sogros. Temos um bocado de receio, pois o miúdo está connosco e depois vai para lá...”, desabafa.

Hélder Silva, de 32 anos, está habitualmente nos serviços administrativos do comando territorial de Braga, contudo, nesta fase, já fez patrulha em Famalicão, para garantir que a população cumpre com o confinamento decretado pelo Estado.

“Foi uma operação para controlar as pessoas, as saídas de casa a ver se alguém estava a incorrer em infracção. Sair de casa sem motivos”, esclarece o canoísta, que, no Rio 2016, acabou em 14.º em canoas C1 200.

O agente Silva garante que a acção não é para “complicar a vida a ninguém”, somente para “alertar” e fazer as pessoas “verem que isto é a sério”, que a GNR e a situação “não são para brincar”.

Em Braga, as equipas em função nos serviços administrativos da guarda foram reduzidas para quatro elementos, em grupos fixos, para reduzir o risco de contágio, até com os colegas: Hélder Silva enfrenta as mesmas dúvidas em casa, pois a mulher é GNR no comando territorial de Viana do Castelo e diariamente faz patrulha.

“Se calhar, até é mais perigoso trabalhar em gabinete fechado. Sim, tenho receio de poder ser contaminado, tenho muito cuidado”, admite, sendo que não pode baixar a guarda, nem na GNR, nem em casa.

Sem padel, o desafio de Margarida Fernandes é na urgência

Margarida Fernandes dividia-se entre o exercício da medicina e o padel, mas passava mais horas de raqueta na mão até que a pandemia, provocada pela covid-19, levou-a a trocar os “courts” pelo Serviço de Urgência do Hospital de Loures.

Formada em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade Nova de Lisboa, Margarida Fernandes fez o Mestrado Integrado, em 2017, e um ano depois concluiu o Internato de Formação Geral, no Hospital Garcia de Orta.

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Conquistado o direito de exercer, a jovem algarvia integrou há pouco mais de um ano a equipa do Serviço de Urgência do Hospital de Beatriz Ângelo, em Loures, mas resolveu inverter as prioridades e apostar numa carreira como jogadora de padel.

“A experiência no Hospital tem sido óptima. Mas, em 2019, fiz a minha primeira pré-temporada a sério no padel e mudei o foco para jogar o circuito mundial, o World Padel Tour, a tempo inteiro e a Direcção do Serviço Urgência apoiou-me neste projecto misto”, começa por contar a internacional portuguesa à agência Lusa.

Face ao estado de emergência decretado pelo Governo português, a vice-campeã europeia por equipas, em 2017, e atleta do “Team FPP”, da Federação Portuguesa de Padel, reajustou prioridades e passou a cumprir cerca de 40 horas semanais no Hospital, deixando, para já, o padel em segundo plano. 

“Sendo médica, o meu contributo pode ser importante nesta fase. Tem sido desafiante. Comecei a trabalhar mais horas, visto que não podemos treinar, e assim ajudo e reforço a equipa da Urgência. Achei que era a decisão mais acertada porque, apesar de ser jogadora de padel, não deixo de ser médica e isso implica outras responsabilidades”, explica.

Além de lidar com casos confirmados e suspeitos de covid-19, a filha e neta de médicos lembra que “não deixaram de existir outras doenças, de igual ou superior gravidade”, embora reconheça que lhe “custa ver a evolução rápida que esta doença tem em algumas pessoas.”

“Apesar dos cuidados de saúde prestados, há algumas pessoas que não sobrevivem. Por outro lado, há outras que, apesar da evolução desfavorável inicial, conseguem arranjar forças para sobreviver e, isso, é muito gratificante para os profissionais”, admite.

Margarida Fernandes garante que tem “sido um grande desafio de resiliência e capacidade de adaptação de todos”, mas revela também acreditar que “depois desta pandemia vamos todos ser pessoas diferentes, nem que seja só pela vitória pessoal de sobreviver a um período muito exigente.”

Máximas da preparação paralímpica inspiram a médica Leila Marques

Leila Marques, antiga nadadora paralímpica, aplica no trabalho diário como médica as premissas do treino de alta competição - preparação, concentração máxima e trabalho de equipa - e acredita que é esta a receita para lutar contra a covid-19.

Nesta prova difícil e longa, em que a profissão obriga algumas vezes a ficar longe da família, Leila Marques admite que o mais duro é não poder abraçar a filha assim que chega a casa.

“É duro, chegar a casa. Vê-la correr direito a mim de braços abertos e não poder abraçá-la logo”, explica, contando que o ritual diário passa por um banho e uma mudança total de roupa, antes de se poder juntar à família.

A trabalhar na Unidade de Saúde Familiar (USF) LoureSaudável, Leila Marques ainda não sentiu necessidade de se isolar da família - o marido e a filha Matilde -, que está em casa a cumprir o isolamento que tem sido pedido a todos.

“Estão os dois em casa, é complicado, mas tem de ser assim. Trabalho todos os dias e, obviamente, quando chego a casa, respeito todas as normas de segurança”, explica a médica de família, que participou nos Jogos Paralímpicos Atlanta 1996, Sidney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008.

Chefe da missão paralímpica aos Jogos Tóquio 2020, que a pandemia obrigou a adiar para 2021, admite que na USF na qual trabalha ainda ponderaram “estabelecer um plano de resguardo, mas não foi possível, por isso estão todos a trabalhar”.

“Tal como foi pedido pela Direção-Geral da Saúde (DGS), cancelámos as consultas programadas não urgentes, mas há serviços que têm, naturalmente, de se continuar a manter, como as de saúde materna e o acompanhamento aos doentes crónicos”, explica.

A antiga nadadora paralímpica, que não tem o antebraço direito, lembra que “as pessoas confiam muito no seu médico de família” e, por isso, “houve muita procura dos serviços”, numa altura em que a própria linha de Saúde24 “não tinha mãos a medir”.

“Foi preciso criar uma via para doentes suspeitos da covid-19. Onde tentamos perceber muitas coisas, e resolver de imediato” explica, admitindo que é aí que se pode verificar o contacto mais directo com o novo coronavírus, responsável pela pandemia que “parou” o mundo.

Mariana Pinto da quadra de futsal para a linha da frente 

Jogadora de futsal da Académica, a médica Mariana Pinto, trabalha em exclusivo numa área dedicada à covid-19 na zona de Coimbra e admite que existe um grande desgaste físico e psicológico nesta fase.

“É uma altura de muito desgaste, tanto a nível físico como psicológico, e o distanciamento da família, dos amigos e do futsal torna esta altura difícil ainda mais complicada”, conta Mariana Pinto, de 27 anos.

Sem a actividade de toda uma vida, o futsal, onde ainda esta temporada se sagrou tricampeã distrital de futsal feminino da associação de Coimbra, ao serviço da Académica, a médica natural de Chaves, no distrito de Vila Real, explica que os tempos actuais “têm sido bastante cansativos”.

“Não só pelo trabalho diário, mas também pela preocupação constante com os doentes e muitas vezes com colegas que passam a ficar infectados também”, sublinha em declarações à agência Lusa.

Durante a pandemia de covid-19, Mariana Pinto tem trabalhado em exclusivo numa área dedicada à covid-19 na zona de Coimbra.

O trabalho envolve a observação de doentes que são encaminhados para aquela área, quer por indicação médica ou da linha Saúde24, ou por iniciativa própria.

“Temos de estar completamente equipados segundo as indicações da Direção-Geral da Saúde, para nos protegeremos o mais possível”, explica a médica que estudou na Universidade da Beira Interior, na Covilhã.

Os profissionais de saúde daquela área fazem ainda, por via telefónica, o acompanhamento de doentes suspeitos e confirmados que estão em isolamento no seu domicílio, e que sempre que é necessário são observados fisicamente, acrescenta.

Habituada a um contacto directo com os doentes, quer no centro de saúde, quer no hospital onde trabalha, a futsalista confessa que a necessidade de equipamentos de protecção é ainda uma barreira na comunicação que tem também de ser ultrapassada.

“É muito importante para o doente perceber a sua situação, qual é a sua situação clínica, as perspectivas de tratamento e o seu prognóstico. O tratamento e, consequentemente, o prognóstico torna-se mais fácil se o utente estiver completamente consciente da sua situação e dos cuidados que tem que ter”, lembra.

Além das preocupações profissionais, Mariana Pinto tem também que lidar com as pessoais. Radicada em Coimbra, optou por não voltar à sua terra natal, Chaves, onde vivem os pais.

“A família está longe e há mais de dois meses que não vou a Chaves, principalmente para os proteger”, adianta.

Com o voleibol suspenso, Ana Rita Barros dedica-se à farmácia

A voleibolista do Sp. Braga e farmacêutica Ana Rita Barros, lida todos os dias com muitas pessoas, “sobretudo idosas”, que ainda não perceberam bem a dimensão da doença causada pelo novo coronavírus.

“Temos que tentar fazer passar às pessoas a dimensão deste problema, sobretudo aos idosos. Muitos acham que isto é um bocado um exagero e questionam mesmo porque é usamos luvas ou máscaras”, pensando que é uma estratégia para potenciar mais vendas, conta.

A jogadora trabalha numa farmácia em Braga e faz um paralelismo com o espírito vivido no desporto.

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“Assim como no voleibol tenho uma equipa, na farmácia também. Nesta fase, somos uma verdadeira equipa [na farmácia], só assim se consegue superar todos os problemas que nos aparecem diariamente. Só quem passa por esta situação é que consegue senti-la e descrevê-la porque não é mesmo nada fácil”, diz.

Ana Rita Barros lembra uma situação vivida por uma colega em que um utente, no final do atendimento, disse “para desinfectar tudo porque era um caso de covid-19 positivo”.

“Se era, não podia ir à farmácia”, lamenta.

A jovem minhota considera que as farmácias fazem actualmente, “muitas vezes”, o primeiro papel de triagem: “as pessoas dizem-nos que ligam para a Saúde24 e ninguém atende e depois, por não terem alternativa, procuram-nos para as ajudarmos. Temos uma função muito importante, porque somos a classe profissional a que as pessoas acedem primeiro, porque, muitas vezes, é mais difícil chegar aos médicos”.

Ana Rita lembra que, no início da pandemia, em meados de Março, “houve uma afluência enorme” à farmácia.

“Tivemos filas infernais de manhã à noite, as vendas de paracetamol dispararam, assim como as máscaras e o desinfectante. Agora está mais calmo, mas ainda continua muita gente a sair de casa para comprar coisas à farmácia que podia perfeitamente evitar”, avalia.

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