Covid-19: Rede de farmácias em risco económico. Associação Nacional de Farmácias pede intervenção urgente do Governo

Estudo revela que a margem dos medicamentos não permite a 75 por cento das farmácias em Portugal compensar os custos com a sua dispensa à população.

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Em Dezembro de 2019, 702 farmácias, 24 por cento das farmácias do país, encontravam-se em situação de insolvência ou penhora. Nuno Ferreira Santos

Quase 75 por cento das farmácias tiveram resultados negativos e as previsões indicam que, perante este cenário, a rede de farmácias em Portugal está em risco económico, revela um estudo, que teve como base o exercício de 2018, sobre a situação económica das farmácias comunitárias, coordenado pela Universidade de Aveiro.

E foi com base nestes indicadores negativos que a Associação Nacional de Farmácias (ANF) veio apelar à intervenção urgente do Governo neste sector, porque a situação que se vive com os feitos da covid-19 vão piorar ainda mais os resultados. Segundo a ANF, o aumento da procura no mês de Março foi meramente pontual, porque “desde que foi decretado o Estado de Emergência, a procura começou a quebrar e no mês de Abril quebrou globalmente”.

De acordo com o estudo que a ANF enviou ao Governo e ao Presidente da República, o resultado operacional das farmácias decresceu 67,5 por cento, o resultado liquido foi negativo em 17 537 euros e a rentabilidade das vendas foi de dois por cento negativos.

Ou seja, a margem dos medicamentos não permite a 75 por cento das farmácias em Portugal compensar os custos com a sua dispensa à população.

“Para 2019, as projecções da farmácia média apontam para o aprofundamento do resultado líquido negativo face ao ano anterior, ainda que a um ritmo mais lento, confirmando as dificuldades da situação económica do sector”, lê-se.

O estudo cita dados internacionais que revelam que a comparticipação pública da saúde em Portugal  se encontra em valores muito abaixo da média europeia.

De acordo com esses dados, em 2017, nos países da União Europeia, a comparticipação pública era de 79,3 por cento da despesa, enquanto  em Portugal se situava apenas em 66,3% do financiamento total em saúde.

“Isto indica que as despesas dos cidadãos portugueses, não comparticipadas pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) se encontram acima da média europeia (27,5% em Portugal vs. 15,8% na UE)”, revela o estudo sublinhando que  “os dados publicados pela OCDE estão em linha com a mais recente análise do perfil de saúde do país, que demonstra que o orçamento disponível, per capita, para medicamentos e dispositivos médicos em ambulatório em Portugal (382€) é muito inferior à média da UE (522€).

Portanto, e de acordo com o mesmo estudo, “sendo Portugal um dos países onde as farmácias têm uma das remunerações mais baixas da Europa, outro dos aspectos que importa relevar, é a redução da margem da distribuição (farmácias e grossistas) com a dispensa de medicamentos em ambulatório”.

Até 2017 esta redução foi de 284 Milhões de euros, montante muito superior à meta traçada pela Troika de 50 Milhões. Em 2018, a redução da mesma margem fixou-se nos 272,10 Milhões de euros.

Assim, do ponto de vista da farmácia, esta redução na margem da distribuição significa uma redução da sua margem de 0,82€ por embalagem, o que corresponde a uma perda de 31,66% da margem por embalagem, face a 2010. Em 2018, estes indicadores fixaram-se nos 0,77€ por embalagem (-29,72%) .

Em 2018, 679 farmácias encontravam-se em situação de insolvência (221 farmácias) ou penhora (458 farmácias), o que representava 23,2% do total de farmácias do país.

Na análise do triénio 2017 a 2019, que o estudo faz, verifica-se um agravamento da situação, sem qualquer sinal de recuperação nestes três anos, demonstrando que as farmácias continuam numa situação de grave dificuldade económica.

Aliás, em Dezembro de 2019, 702 farmácias, 24 por cento das farmácias do país, encontravam-se em situação de insolvência ou penhora.

“Em todos os anos analisados, o resultado líquido da farmácia média apurado para o segmento de medicamentos comparticipados foi negativo, confirmando que o actual modelo económico de dispensa de medicamentos comparticipados não é viável”, conclui o estudo para lembrar que, “apesar desta tendência de resultados negativos nos últimos anos, a rede de farmácias continua a ser uma componente decisiva de desenvolvimento e equidade no acesso à saúde, especialmente nos locais mais desertificados do país”.

Tendo em conta estes dados, a ANF refere na carta que enviou ao Governo como estudo, que a situação de crise é anterior à doença covid-19, mas que esta pandemia é uma nova ameaça ao futuro do sector.

Para a ANF, as farmácias “não estão em condições de suportar uma nova crise”, mas que mesmo assim não descuram “por um só momento” as suas obrigações no combate à crise que o país atravessa: “Temos sido um sector, entre outros, na linha da frente no combate à doença covid-19”.

“As farmácias comunitárias querem continuar a fazer parte da solução , mas carecem de condições mínimas e sustentabilidade presente e futura”, alerta a ANF, acrescentando que o Governo precisa de prestar mais atenção à crise do sector e adoptar com urgência medidas necessárias para a ultrapassar.

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