Meditar com ovelhas ou violoncelos? Airbnb lança experiências online para tempos de quarentena
Desenhámos pela manhã e meditámos com ovelhas à tarde. Através do computador. Com as reservas de actividades suspensas na plataforma devido ao surto de covid-19, a Airbnb lança mais de 50 experiências feitas à distância de uma videochamada, com anfitriões de todo o mundo. Desde treinos com atletas olímpicos a sessões de culinária.
Beccy Goldberg começa por mostrar os prados verdes que se estendem para lá das janelas da quinta. Quer que oiçamos os pássaros, o restolhar do vento nas árvores, que inspiremos fundo o ar puro escocês como se atravessasse a tela do computador. “Tenho muita sorte por viver num sítio lindo e remoto, rodeada pela natureza do Parque Nacional de Loch Lomond.”
Os dias de quarentena voluntária correm praticamente iguais aos dias anteriores à pandemia. “Tem os seus prazeres, como ter tempo em família, plantar vegetais e cozinhar.” E se fica mais preocupada ou se começa a pensar “na mágoa global” que vivemos, tem “os mimos das ovelhas” para a distrair, contará pouco depois à Fugas.
É tempo de chamá-las. Passam poucos segundos quando Hamish, Dougal, Benny e Loche surgem a correr em direcção à câmara do telemóvel de Beccy. Quatro ovelhas da raça Herdwick, lã espessa e rosto branco e meigo a pedir mimos.
Beccy Goldberg trabalha na área da saúde, especializada no tratamento de ansiedade e stress. Ao longo da experiência, ensina algumas das técnicas de relaxamento que utiliza com músicos profissionais. No final, já depois de ter partilhado dados sobre a Escócia, a quinta e as ovelhas, depois de termos virtualmente visitado os estábulos e feito apostas sobre qual dos animais terminaria de beber o biberão de leite primeiro, é a vez de a filha, Rivkah, instrutora de ioga, liderar uma sessão de meditação, enquanto as ovelhas vão adormecendo em seu redor.
Há uns anos, Beccy decidiu adoptar “cortadores de relva para comerem a erva” dos campos da quinta: Hamish e Dougal, agora com dois anos de idade, e Benny e Lochie, de um ano. Quando percebeu que as pessoas que visitavam a quinta “sentiam benefícios terapêuticos e ficavam cada vez mais calmos quando estavam perto das ovelhas” decidiu criar uma experiência como anfitriã no Airbnb. Agora, em tempo de fecho de portas como prevenção contra a pandemia de covid-19, o “chá com ovelhas atrevidas” transformou-se numa sessão de “meditação com ovelhas sonolentas”. Online.
Experiências por videochamada
Com as reservas de alojamento e de experiências suspensas devido ao surto de covid-19, a Airbnb decidiu lançar um novo serviço de “experiências online”, com mais de 50 actividades desenvolvidas à distância de uma videochamada com anfitriões de cerca de 30 países diferentes. Os preços variam entre 1€ e 59€.
Com “comunidades em todo o mundo a ficarem em casa para proteger a sua própria saúde e a dos outros”, a empresa “está a aproveitar a sua plataforma tecnológica para ajudar os anfitriões a continuarem a obter receitas nestes tempos incertos, ao mesmo tempo que permite que qualquer pessoa que se encontre isolada em casa aprenda uma nova competência, esteja conectada com os outros em segurança ou desenvolva um interesse pessoal”, enumera o comunicado de imprensa.
As sessões são realizadas através do Zoom, uma ferramenta que a empresa “está a oferecer de forma gratuita aos anfitriões, juntamente com serviços de apoio personalizados para a produção, captura e partilha dos seus conteúdos online”, acrescentam. Os interessados em inscrever uma actividade na plataforma podem fazê-lo através do site.
Para “ajudar” pessoas mais idosas que, em muitos casos, não só se encontram “mais isoladas”, como têm menos competências tecnológicas, a Airbnb vai também “oferecer experiências gratuitas” em conjunto com quatro associações de apoio a idosos e veteranos de diferentes países.
Petiscos portugueses e danças irlandesas
Abertas a reservas a partir desta quinta-feira estão mais de 50 experiências virtuais. Desde diferentes sessões desportivas com atletas olímpicos a meditação com um monge budista japonês a partir de Osaka, no Japão. Há workshops de café com um provador de café profissional e de cocktails com especialistas em mixologia. Aulas de petiscos portugueses com Joana e de vinhos com Rafael, a partir de Portugal. Além de “viagens virtuais” com os cães de Chernobyl, várias sessões de culinária (com uma família marroquina ou uma nonna italiana, por exemplo), meditação com violoncelo, aulas de tango, de flamengo ou de danças irlandesas.
E várias experiências ligadas à pintura ou ao desenho, como a liderada por Jillian Roberts and Tom Maryniak, que a Fugas experimentou durante uma manhã de desenhos e café. Britânicos, Jilly e Tom conheceram-se em Lisboa, durante uma residência artística na galeria Zaratan, e foi na capital portuguesa que abriram o estúdio Lisboa Social Press em 2018, em plena baixa pombalina.
Antes de o surto de covid-19 toldar o mundo e suspender o trabalho no estúdio, costumavam organizar um evento semanal de “print & drink”, todos os sábados à noite. “Era uma oportunidade de abrir o espaço a visitantes que quisessem descontrair num ambiente criativo e relaxado. Vinham conhecer pessoas novas e passámos algumas horas a beber vinho enquanto orientávamos o grupo numa série de jogos e exercícios, utilizando técnicas de impressão digital”, contam à Fugas.
Entretanto, Jilly regressou à casa de família em Inglaterra, enquanto Tom se mantém em isolamento em Lisboa. Mas queriam manter-se em contacto, encontrar novas rotinas. “Inicialmente fizemos uma série de workshops ao vivo no Instagram apenas como uma forma de nos mantermos ligados e dar às pessoas um pouco de distracção criativas das inúmeras más notícias.”
Agora, adaptaram o evento semanal ao desenho, com bebida à mistura, de copo alto ou caneca, dependendo do fuso horário de cada participante. Para já, as sessões estão disponíveis apenas nas noites de sexta-feira. “Sabemos que muitas pessoas ainda estão a trabalhar remotamente durante a semana e queremos dar-lhes aquela sensação de chegar ao final da semana e uma oportunidade de desligar, beber e fazer estes trabalhos.”
Desenhar objectos, sombras, retratos
A ideia, contam durante a experiência, “não se trata de fazer o desenho perfeito”. “É sobre divertirmo-nos, relaxarmos e fazer muitos desenhos num curto espaço de tempo e potencialmente decorarmos as nossas casas” com as obras criadas, diz Jilly. “O nosso mote é: se conseguem pôr uma caneta ou lápis sobre uma folha de papel, então conseguem desenhar”, remata Tom.
Durante uma hora e meia, desenhamos alguns objectos que encontramos em casa. Ora com uma mão, ora com outra, ou ambas ao mesmo tempo. Experimentamos criar sombras e reproduzir bules e bonecos sem tirar o lápis do papel, enquanto Jilly e Tom vão dando a conhecer trabalhos semelhantes de artistas como Van Gogh, Picasso ou Michael Craig Martin. Por fim, passamos ao retrato, tentando desenhar os rostos dos outros participantes.
“É gratificante conhecer pessoas de todo o mundo, em diferentes fusos horários, com diferentes vidas e perceber que, embora seja um momento difícil, ainda podemos estar em contacto e tirar o melhor de uma situação má através da criação artística.”
Enamorados pela “magnífica luz” de Lisboa, pelos seus azulejos, pelo povo “acolhedor e amigável” e pela “cultura descontraída mas rica e vibrante” da capital portuguesa, não vêem a hora de voltar a “ir até à praia e desenhar o oceano”.