Covid-19: Navio-hospital que ia aliviar Nova Iorque recebeu 20 doentes em seis dias

No USNS Comfort só entram doentes que não tenham sido infectados com o novo coronavírus, mas a lista de outras restrições é tão extensa que o director do maior grupo hospitalar do estado de Nova Iorque chamou-lhe “uma piada”.

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O navio tem 1000 camas e chegou a Nova Iorque no dia 28 de Março Reuters/ANDREW KELLY

No último sábado, quando o gigantesco navio-hospital da Marinha norte-americana USNS Comfort partiu em direcção a Nova Iorque para ajudar no combate ao novo coronavírus com 1000 camas extra, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chamou-lhe “uma mensagem de 70 mil toneladas de esperança e solidariedade” para os milhares de doentes e profissionais de saúde da cidade. Mas a operação parece ter ficado muito aquém do que foi prometido: seis dias depois, a figura do Comfort continua a dominar o porto de Nova Iorque, mas lá dentro estão apenas 20 doentes, 17 dos quais foram transferidos na quinta-feira.

“Desculpem-me a expressão, mas isto é uma piada”, disse ao jornal New York Times Michael Dowling, director do maior grupo hospitalar do estado de Nova Iorque, o Northwell Health.

“Qualquer pessoa pode agradecer o envio de instalações maravilhosas como esta, mas aqui estamos a enfrentar uma crise, isto é um campo de batalha.”

Mortes nos corredores

A tarefa dos 1200 marinheiros, médicos e enfermeiros a bordo do USNS Comfort – e de outros tantos no USNS Mercy, em Los Angeles, no estado da Califórnia – é receber e cuidar de pacientes que precisam de ser hospitalizados e que não estão infectados com o vírus SARS-coV-2.

Ao desviar estes pacientes dos hospitais de Nova Iorque, os profissionais de saúde poderiam concentrar-se nas consequências da pandemia do novo coronavírus na cidade, onde há doentes com covid-19 a morrer em corredores enquanto esperam por uma cama livre, e onde os sacos para transportar os mortos começam a escassear.

Há seis dias, quando o Comfort partiu da base naval de Norfolk, no estado da Virginia, os Estados Unidos tinham acabado de se tornar no país com mais casos de covid-19 em todo o mundo, com 101 mil – e um recorde de 402 mortes em 24 horas.

Até esta sexta-feira, há mais de 245 mil casos registados e 6095 mortes. Só no estado de Nova Iorque há 93 mil casos e 2538 mortes – se fosse um país, Nova Iorque seria o 4.º com mais casos em todo o mundo, atrás dos Estados Unidos, Itália e Espanha.

Restrições à entrada 

Os navios-hospitais que foram enviados para Nova Iorque e Los Angeles pouco ou nada têm ajudado a aliviar o caos nos hospitais. E se o Comfort tem apenas 20 doentes a bordo, a situação no Mercy ainda é pior – chegou há mais tempo ao seu destino e tem apenas 15 pacientes nas suas instalações com 1000 camas.

Se as condições de utilização do navio não forem alteradas, é provável que a situação se mantenha até que a pandemia fique sob controlo, sem que o gigantesco navio-hospital se aproxime sequer do “reforço crítico de capacidade” prometido pelo Presidente Trump no dia 28 de Março.

Para além de não receber pacientes infectados com o novo coronavírus, o USNS Comfort também não permite a entrada de pessoas com outras 49 doenças, o que limita bastante a sua capacidade para aliviar os hospitais da área metropolitana de Nova Iorque. E, mesmo que um hospital queira enviar para o navio um doente que cumpra todos os requisitos, terá antes de o submeter a um teste ao SARS-coV-2 e aguardar pelo resultado negativo.

“Estamos a transferi-los [para o navio] o mais rapidamente possível”, disse uma porta-voz da Marinha, Elizabeth Baker, na noite de quinta-feira. Nesse dia, o New York Times publicara a notícia de que o USNS Comfort só tinha três pacientes a bordo, um número que aumentou para 20 nas horas seguintes.

Ao mesmo tempo, os hospitais do grupo Northwell Health debatem-se com uma pressão nunca vista na cidade, nem quando as torres do World Trade Center foram destruídas nos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001: em duas semanas, o número de pacientes infectados com o novo coronavírus nas suas instalações subiu de 100 para 2800, 700 dos quais estão em unidades de cuidados intensivos.

“Isto é perfeitamente ridículo. Se não vêm para nos ajudar a tratar das pessoas que precisam de ajuda, qual é a intenção?”, questionou o director do grupo hospitalar em declarações ao New York Times.

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