Força e solidariedade

Haja força. Vamos conseguir, se nos afastarmos do nosso egoísmo. Todos juntos.

A covid-19 veio de algum modo unir a Humanidade no combate contra esta nova calamidade, lembrar que estamos todos no mesmo barco, pela simples razão que, europeus ou asiáticos, homens ou mulheres, ricos ou pobres, temos como denominador comum a pertença a uma mesma espécie. Um momento único de unidade na História do ser humano!

Durante um período transitório, o primado do económico e do utilitarismo cede perante a ameaça grave, invisível e omnipresente da pandemia, e a nossa admiração pelas grandes realizações humanas concentra-se no esforço hercúleo, abnegado e muitas vezes heróico dos cientistas, dos médicos e do pessoal de saúde. Mais, os Estados e os bancos centrais respondem à ameaça que (também) paira sobre a atividade produtiva com medidas monetárias e financeiras inéditas e heterodoxas para manterem as unidades empresariais vivas e os trabalhadores impossibilitados de trabalhar com um rendimento que lhes permita viver com dignidade, apesar da crise.

O papel do Estado irá transitoriamente alargar-se, como é próprio de períodos em que as decisões racionais das entidades privadas, baseadas na avaliação do risco e das vantagens das ações a empreender, são impossibilitadas pelo aparecimento de uma absoluta e radical incerteza.

O que virá aí uma vez extinta esta ameaça, mais uma, das muitas observadas ao longo da História do ser humano, porventura o mais resiliente e adaptativo de todos os seres que existem à face da terra?

Tudo indica que será necessário um esforço enorme de reconstrução da economia e da sociedade e que a situação terá algum paralelo com a que se viveu no pós-2.ª Guerra Mundial. Teremos algumas nacionalizações temporárias, decorrentes da necessária capitalização pelos Estados de algumas grandes empresas brutalmente afetadas pela crise. Teremos provavelmente um retorno a um nível de inflação relativamente elevado, em virtude da redução das capacidades globais da oferta e da criação monetária maciça pelos bancos centrais. Teremos quase certamente um grande programa de reconstrução das economias mais ou menos devastadas pela covid-19, que terá que resultar de um esforço comum, no caso europeu, por parte da União Europeia. Teremos, creio, uma pausa ou mesmo um retrocesso saudável da globalização, repondo na Europa uma parte das capacidades estratégicas de produção deslocalizadas para países com baixos custos por virtude de uma concorrência levada ao extremo.

Daremos uma maior prioridade ao investimento na saúde, em todas as suas vertentes, e os mecanismos de solidariedade e de inclusão serão reforçados e adaptados aos novos desafios, incluindo os da transição digital e da robótica. A aposta na igualdade de oportunidades e na recompensa justa do trabalho e do mérito virão sobrepor-se aos excessos das desigualdades que a globalização não criou, mas ajudou muito a atingirem proporções obscenas.

A ajuda aos países menos desenvolvidos deve retomar o nível de fluxos financeiros que já teve nos anos 60 e 70 do século XX e em boa medida substituir os fluxos emigratórios desordenados que empobrecem esses países em recursos humanos pela criação de riqueza e postos de trabalho locais.

Para isso, é necessário que os focos de conflitos armados em várias áreas do mundo sejam extintos ou bem controlados.

E, ao fim de um longo período de confinamento e distanciamento social, por certo o desejo de estreitar relacionamentos, de esbater velhos conflitos inter-humanos, de voltar a estarmos juntos e próximos, irá conviver com a ânsia de liberdade e de democracia que constituem os pilares centrais de uma sociedade decente e avançada. Um período em que o humanismo volte a inspirar a marcha da sociedade.

Tudo isto, claro, até que a natureza do ser humano volte à superfície e o egoísmo, a vaidade e inveja (além de outros pecados capitais) voltem a ditar as suas regras!

Haja força. Vamos conseguir, se nos afastarmos do nosso egoísmo. Todos juntos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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