Carta aos pais separados ou divorciados durante a pandemia

A forma como os pais separados ou divorciados se relacionarem um com o outro, durante esta crise, será crucial para o bem-estar dos filhos num momento muito crítico para eles.

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Malte Mueller/Getty Images

No contexto de pandemia covid-19, a Direção-Geral da Saúde (DGS) e o Ministério da Saúde, informaram no dia 14 de Março que “entrámos numa fase de crescimento exponencial da epidemia" e "é muito importante que todos colaborem nas medidas de contenção” para se tentar travar a propagação da doença. A DGS refere que “o isolamento social é uma prática para ser levada a sério”. Desde o dia 16 de março 2020, e pelo menos até 9 abril (altura que o Governo volta a avaliar a situação), todas as escolas vão estar fechadas e os nossos filhos vão ficar em casa. Através da Resolução do Conselho de Ministros, no dia 18 de março de 2020, foi decretado o estado de emergência em Portugal, para prevenir e conter a propagação do vírus.

“Estabelecer que, durante o período em que durar o estado de emergência, os cidadãos só podem circular na via pública para algum dos seguintes propósitos (...) g) Deslocações por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente” (Resolução do Conselho de Ministros no dia 18 de março de 2020).

Existem muitas informações, opiniões e conselhos a circular, por vezes contraditórios, que em vez de tranquilizarem os pais provocam-lhes uma enorme insegurança. É fundamental que os pais estejam bem informados para poderem falar e explicar aos filhos o que se está a passar, mas para isso devem previamente colher informações seguras, de fontes credíveis, como é o caso dos sítios da Direção Geral de Saúde (www.dgs.pt) e da Organização Mundial de Saúde (www.who.int).

Esta situação de crise representa um momento de elevada exigência, em termos de adaptação social e psicológica dos diferentes elementos da família. A forma como os pais separados ou divorciados se relacionarem um com o outro, durante esta crise, será crucial para o bem-estar dos filhos num momento muito crítico para eles.

É fundamental que, embora afastados pela necessidade de isolamento social, ambos os pais continuem a assumir as suas funções educativas e a participar nas diversas atividades do dia-a-dia dos seus filhos, promovendo, desta forma, a sua segurança, assegurando-lhes que tudo correrá bem neste período.

A coparentalidade e o envolvimento empenhado dos pais nestas situações de risco, devem ser exercidas em prol da sua aproximação para uma tomada conjunta de decisões e sua cooperação, que assegurem a sua consistência, apoio recíproco, e a divisão de responsabilidades, de forma a e serem os primeiros protetores dos filhos que partilham.

Muitos filhos, nesta fase, estão com medos a que os pais devem estar atentos. Este sofrimento pode ser diminuído, se as medidas forem tomadas em sintonia entre os pais, se forem bem orientadas, assegurando que, ao longo desta crise, as crianças viverão num clima de confiança, favorecedor do seu equilíbrio emocional. Neste momento, é essencial que os pais divorciados ou separados deixem de lado todos os desacordos e pensem na saúde e proteção dos filhos, dos familiares e dos amigos. A forma como os pais agem condiciona não só a forma como as crianças vão lidar com as situações de imediato, mas também a forma como ao longo da vida lidarão com outras semelhantes.

Na minha experiência de consulta em psicologia, tenho acompanhado inúmeras situações em que as mães e os pais separados ou divorciados não têm a oportunidade de partilhar informações e decisões inerentes às suas responsabilidades parentais sobre os seus filhos, isso cria verdadeiras situações de desespero e de reforço do sentimento de incapacidade de acompanhamento das medidas de saúde dos filhos por parte outros pais: “Estou muito angustiado... não sei nada dos meus filhos” é uma expressão que escutamos frequentemente.

Também tive já a oportunidade de acompanhar uma situação em que o pai e a mãe separados decidiram, nesta situação de crise, voltar a juntar-se na mesma casa para criar melhores condições de se apoiar e poderem estar ambos junto dos filhos. Recebi de um deles a informação: “Estamos em minha casa, estamos a apoiar-nos”. Noutra situação, em total concordância de ambos, ficou um dos pais com os filhos, e o outro numa situação mais afastada, mas de apoio e comunicação constante e securizante: “Decidimos em conjunto que neste momento era melhor ficarem com o pai, porque eu continuo a trabalhar no hospital.”

O dia a dia dos filhos, mesmo separados do pai/mãe, carece de acompanhamento de ambos. O pai/mãe que não estiver com os filhos deverá ser informado diariamente de como o outro está a gerir as rotinas dos filhos, bem como o primeiro deve aceitar as ajudas que necessita do outro (por exemplo, levar comida, medicamentos) para evitar que os pais que tenham de permanecer em casa sejam obrigados a sair muitas vezes.

Acabando os condicionalismos do período decretado de isolamento social com um dos pais, os filhos deveriam passar estar na casa do outro pai/mãe, retomando rapidamente as rotinas de partilha anteriores. Neste caso, os filhos podem ser compensados com um período maior de permanência com o pai/mãe com quem estiveram privados de conviver.

Os filhos que estão separados dos pais podem combinar diariamente fazer videochamada, para se verem, conversarem e partilharem rotinas do seu dia-a-dia ou telefonemas.

Em acordo e cooperação sobre a organização da vida dos seus filhos durante o estado de emergência, os pais separados ou divorciados estarão a dar um contributo inestimável para a prevenção da propagação do vírus e para o bem-estar dos seus filhos.


A autora segue o novo acordo ortográfico


Psicóloga e terapeuta familiar

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