Coronavírus: Ohio suspende eleições primárias, mas adiar as presidenciais é quase impossível

Governador do estado norte-americano, eleito pelo Partido Republicano, mandou fechar espaços públicos e tem criticado a lentidão das autoridades federais. Eleições presidenciais, em Novembro, não estão em risco.

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O Ohio declarou o estado de emergência e encerrou vários espaços públicos Reuters/AARON JOSEFCZYK

O governador do estado norte-americano do Ohio, o republicano Mike DeWine, suspendeu as eleições primárias do Partido Democrata e do Partido Republicano que estavam marcadas para esta terça-feira, por causa dos receios de contágio com o novo coronavírus. A ordem, anunciada a poucas horas da abertura das mesas de voto, contraria uma decisão dos tribunais.

“Numa altura em que enfrentamos uma crise de saúde pública sem precedentes, a realização de eleições amanhã [terça-feira] obrigaria os funcionários das secções de voto e os eleitores a exporem-se a um risco de saúde inaceitável de contraírem o coronavírus”, disse o governador DeWine na rede social Twitter, na noite de segunda-feira (hora local, madrugada desta terça-feira em Portugal continental).

A votação no Ohio era uma das quatro que estavam marcadas para esta terça-feira, juntamente com as primárias no Arizona, na Florida e no Illinois. Os responsáveis políticos destes três estados decidiram manter as eleições com regras de segurança adicionais para o voto presencial.

“Temos sorte porque há várias opções, aqui na Florida, para votarmos em segurança”, disse a secretária de Estado da Florida (terceira na hierarquia, atrás do governador e do vice-governador), Laurel Lee, numa conferência de imprensa na segunda-feira.

Para além da disponibilização de produtos de higiene pessoal nas secções de voto, e do controlo de aglomerações de eleitores, a Florida tem um sistema eleitoral que permite o voto por correspondência e vários dias de votação antecipada.

“A verdade é que as coisas podem ser feitas de forma a não termos multidões”, disse o governador da Florida, Ron DeSantis.

No Arizona, os principais responsáveis políticos concluíram que a suspensão das eleições poderia provocar “um caos excessivo” em todo o processo eleitoral para a escolha dos candidatos às presidenciais de Novembro.

“Não temos nenhuma garantia de que haverá uma altura mais segura para realizarmos esta eleição num futuro próximo. Quanto mais esperarmos, mais difícil e perigoso será”, disse a secretária de Estado do Arizona, Katie Hobbs.

Sobre a decisão do governador do Ohio de suspender as primárias locais, a campanha de um dos favoritos no Partido Democrata, o antigo vice-presidente dos Estados Unidos Joe Biden, disse apenas que vai “cumprir as orientações dos responsáveis pela saúde pública dos estados”. Do lado da campanha do outro candidato do Partido Democrata, o senador Bernie Sanders, ainda não foi feita qualquer declaração.

Convenções afectadas 

O Ohio é o primeiro estado a suspender as suas eleições primárias sem marcar uma nova data.

Na sexta-feira, as autoridades do Louisiana adiaram a votação de 4 de Abril para 20 de Junho; no sábado, a Georgia adiou as suas primárias de 24 de Março para 19 de Maio; e, na segunda-feira, o Kentucky remarcou as eleições de 19 de Maio para 23 de Junho.

Apesar de os estados norte-americanos terem uma grande margem de manobra para alterarem o processo eleitoral no seu território, os casos do Louisiana e do Kentucky podem vir a ter consequências graves para a escolha do adversário de Donald Trump nas presidenciais deste ano.

O Partido Democrata tem a sua convenção nacional marcada para 13 a 16 de Julho, e só aceita resultados de eleições primárias realizadas até 9 de Junho. Se as regras não puderem ser alteradas (não é claro se só podem ser alteradas durante a convenção do partido), é possível que os delegados dos estados em causa deixem de contar para as contas finais.

O Ohio suspendeu as suas primárias sem avançar uma nova data porque a decisão aconteceu em poucas horas e envolveu os tribunais.

Na segunda-feira, o governador Mike DeWine anunciou a sua intenção de cancelar a votação, mas disse que não tinha autoridade para fazê-lo de forma unilateral. No mesmo dia, um juiz do condado de Franklin, no Ohio, rejeitou o pedido do estado para que as primárias fossem adiadas até 2 de Junho.

Já depois da decisão do tribunal, a responsável de saúde pública do Ohio, Amy Acton, declarou o estado de emergência e o governador suspendeu as eleições citando receios de que os funcionários das secções de votos e os eleitores pudessem ser contaminados com o novo coronavírus. O governador disse que o secretário de Estado do Ohio vai agora iniciar uma batalha nos tribunais para que seja possível marcar uma nova data.

O governador do Ohio e a responsável de saúde pública do estado têm-se destacado pelo sentimento de urgência das suas declarações, contrastando com a lentidão das decisões a nível federal.

“Ninguém que esteja vivo testemunhou algo como isto, por isso é compreensível que as pessoas demorem algum tempo a perceber o que está em causa”, disse Mike DeWine na segunda-feira. No mesmo dia, o governador do Ohio ordenou o encerramento de ginásios, cinemas, salas de bowling e outros espaços de diversão, “em todo o estado e até ordem em contrário”.

E as presidenciais?

A suspensão de eleições primárias por causa do novo coronavírus alimentou também uma discussão sobre a hipótese de as eleições presidenciais virem a ser adiadas. Mas, para que isso aconteça, não basta a vontade do Presidente dos Estados Unidos.

Os estados têm quase total autoridade sobre as eleições locais (Nova Iorque, por exemplo, suspendeu as eleições primárias para a câmara, que viriam a ser ganhas por Michael Bloomberg, no dia 11 de Setembro de 2001).

Mas as eleições presidenciais seguem uma lei federal de 1845. Para que a data possa ser alterada, será preciso modificar a lei – e isso só acontece com a aprovação das duas câmaras do Congresso e a assinatura do Presidente, e após um longo período de possível contestação nos tribunais até ao Supremo.

Para dificultar ainda mais a obtenção de um consenso político numa época de grande divisão entre o Partido Democrata e o Partido Republicano, a suspensão da data das presidenciais não seria suficiente para resolver o problema.

Depois disso, seria preciso marcar uma nova data, o que exigiria uma alteração não apenas à lei federal, mas também à própria Constituição – é lá que se exige a tomada de posse de um novo Congresso a 3 de Janeiro e de um Presidente a 20 de Janeiro.

Para que a Constituição dos Estados Unidos possa ser alterada, é necessário iniciar um processo longo e que poderia agravar ainda mais as divisões no país.

Em qualquer caso, é preciso que a Câmara dos Representantes e o Senado proponham uma emenda, aprovada com dois terços dos votos, e que três quartos dos 50 estados aprovem essa proposta; ou que três quartos dos 50 estados peçam ao Congresso que realize uma convenção constitucional, e que depois o mesmo número de estados aprove a proposta. Em ambas as situações, as decisões finais têm de ser tomadas ou por votação nos congressos de cada estado, ou em convenções especiais para ratificar a proposta de emenda.

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