Justiça, poder do dinheiro e corrupção

O poder do dinheiro pode ser fatal para o regime democrático. Mais do que nunca uma Justiça limpa é precisa.

Este nosso tempo encerra enormes contradições. Por um lado, há a possibilidade dos cidadãos verem realizada a sua aspiração à justiça e verem respeitada a lei.

Por outro lado, prevalece um instinto dos mais fortes se “apoderarem”, por processos ínvios, da justiça. Com efeito, o poder desmedido do capital financeiro, dominante à escala global, submete mentalidades, captura vontades e consciências, cria sistemas de corrupção que conspurcam as sociedades, dando origem a fenómenos de desinteresse pela vida pública, ou seja, pela própria política em si, enquanto modo de governar.

Os Estados confrontam-se com atores que, em muitas circunstâncias, têm poderes que os condicionam ou inibem. O instinto destes poderes é impor os seus interesses e não quer saber da profissão de quem tem de atrair ou captar para o seu lado. O poder do dinheiro não olha para A ou B para saber se são advogados, juízes, polícias, ou ministros. Naturalmente que o preço do polícia que cata multas não pode ser o do advogado ou do ministro ou do juiz.

Desde sempre a Justiça, quando exercida com elevados padrões de apego ao desempenho de uma das mais nobres atividades humanas por mulheres e homens vocacionados para esse fim, assume um relevo estratégico fundamental na obtenção de uma paz social e na confiança nas instituições democráticas.

Os juízes são um elemento chave nesta confiança. Se alguns se deixam corromper abalam os pilares da Justiça. Ao Estado não basta fazer semanal ou mensalmente umas tantas operações que atraem os media e cujo alarido se esvai passados dois ou três dias para acordar semanas depois com novas operações a baterem à porta de mais alguns famosos.

Este ciclo e circo mediático que aparece e desaparece, seguido de longos anos e anos de andamentos processuais paralisantes, constitui em si mesmo uma espécie de negação da justiça que alimenta o descrédito.

Um Estado que não julga num prazo razoável um ex-primeiro-ministro e outros poderosos e deixa tudo andar ao sabor de um rámeráme intolerável é responsável pelo descrédito que se abate sobre a sociedade, pois que com esse modo de atuar permite que crimes graves prescrevam com todas as consequências na comunidade.

Um Estado que alegadamente não dispõe de verbas para que se afetarem meios para imprimir o andamento adequado a esses processos e a outros perde a sua autoridade moral e política a favor dos poderes fácticos sem controlo democrático.

Se o Presidente de uma Relação e outros desembargadores são referenciados com condutas criminosas, o dever dos órgãos criminais é o de em tempo útil fazer com que aconteça a realização da justiça.

Não nos bastava que a corrupção batesse a portas que se não fecharam, confirmando-se agora que a malina deu entrada na casa dos que deviam julgar criminosos e prevaricadores, aparecendo, segundo as suspeitas, a seu lado.

A corrupção conduz à inércia. Todos os dias nos chegam palavras vindas do desencanto alegando que nada há a fazer, apregoando a desgraça. É também essa espécie de dormência envenenada que incita ao aparecimento do popularismo e da extrema-direita.

 O poder do dinheiro pode ser fatal para o regime democrático. Mais do que nunca uma Justiça limpa é precisa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

    

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