Um ano depois do Idai, Moçambique ainda espera que chegue ajuda

Um ano depois das duas tempestades que devastaram Moçambique, muito pouco foi reconstruído, e as vidas afectadas continuam na corda bamba. Pouco dinheiro foi prometido pelos países ricos, e menos ainda foi entregue, dizem organizações humanitárias.

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No campo de deslocados de Nhamatanda, em Sofala Ed Ram/REUTERS
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Vasco Gaspar ao pé do milho que tem de plantar e apanhar para se alimentar Ed Ram/REUTERS

Vasco Gaspar tem 100 anos. Apoiado na sua bengala, vai apanhar o milho plantado junto à tenda em Nhamatanda, na província de Sofala, que se tornou o seu abrigo temporário desde que o ciclone Idai destruiu a sua casa, há um ano, quando devastou o centro de Moçambique. “Não tenho força para trabalhar, mas não tenho escolha… Tenho de me alimentar”, disse à Reuters.

Puxa pelas hastes de milho que se erguem acima da sua cabeça, com a força que lhe resta. Ainda coxeia por causa dos ferimentos que sofreu quando a casa lhe caiu em cima, durante o dilúvio trazido pelo Idai, que ao longo de cinco a seis dias despejou enormes quantidades de chuva nas mesmas zonas do sul de África. Vasco Gaspar deveria receber ajuda alimentar todos os meses, mas às vezes chega tarde de mais.

Ele é um dos cerca de 2,5 milhões de moçambicanos – metade dos quais crianças – que, passado um ano, ainda precisam de assistência humanitária devido ao Idai, e também do ciclone Kenneth, que passou pela província de Cabo Delgado, no Norte, um mês depois, contabiliza a UNICEF. Em apenas seis semanas, dois dos piores ciclones de que há registo no hemisfério sul abateram-se sobre um dos países mais pobres do mundo, bem como sobre o Malawi e o Zimbabwe.

“Mais de 3000 crianças moçambicanas com menos de cinco anos foram diagnosticadas com subnutrição aguda após as colheitas terem sido destruídas pelas cheias. As crianças e os mais pobres são as principais vítimas da crise climática”, diz um comunicado da agência das Nações Unidas para a infância e juventude.

Às enormes tempestades juntou-se a seca no Sul, que já dura há alguns anos. Estima-se que 1,6 milhões de pessoas em Moçambique não tenham alimentos suficientes. O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas diz que não consegue chegar a toda a gente que precisa: “Tivemos que reduzir as rações em 50% para os que não estão a viver em centros de realojamento, para poder dar assistência aos mais vulneráveis”, disse um porta-voz do PAM, citado pelo portal de informação humanitária Reliefweb.

A reconstrução das habitações e das infra-estruturas destruídas é outro problema premente. A organização humanitária britânica Oxfam calcula, num relatório divulgado esta sexta-feira, que 100 mil pessoas em Moçambique e no Zimbabwe vivam ainda em casas meio destruídas ou em abrigos temporários. Estradas, rede de abastecimento de água e escolas ainda estão longe de estarem reparadas, o que torna difícil aceder a serviços fundamentais, ou voltar ao sequer ao trabalho. Cerca de 9,7 milhões de pessoas nos três países afectados continuam a precisar desesperadamente de ajuda alimentar, diz o relatório After the Storm (Após a Tempestade).

“O ciclone Idai foi tudo menos um desastre natural. Esta tragédia foi alimentada pela crise climática e acelerada pela pobreza, desigualdade e pelos falhanços dos governos nacionais e da comunidade internacional”, comentou Nellie Nyang’wa, directora regional da Oxfam para o Sul de África. “O povo de Moçambique, do Zimbabwe e do Malawi está a tentar repor a sua vida, enfrentando enormes desafios. Os políticos da região, e de todo o globo, deviam empenhar-se igualmente”, afirmou. 

As condições de seca e mais chuvas torrenciais – em Fevereiro houve de novo cheias em Sofala, a província central mais afectada pelo Idai – têm dificultado a recuperação. A pobreza do país, e a incerta e lenta ajuda internacional não têm também ajudado a reerguer Moçambique. Menos de metade dos 450 milhões em ajuda humanitária pedida pela ONU foi recebida até ao presente, diz a Oxfam. Apenas 41% do dinheiro necessário para garantir a nutrição da população que precisa de apoio alimentar está garantida, diz a UNICEF. Para a educação e protecção social, a falta está na casa dos 80%.

“A pobreza e a desigualdade aumentam o poder destrutivo do ciclone e são uma barreira importante para a recuperação. Enquanto os mais ricos vivem nos terrenos mais altos, nas casas mais resistentes e têm poupanças e seguros nos quais se podem apoiar para recuperar do desastre, as comunidades mais pobres têm muitas dificuldades para reconstruir as suas vidas”, diz o relatório da Oxfam.

“Um ano depois do ciclone Idai, dezenas de milhares de pessoas ainda não têm casa, algumas vivem em abrigos da ONU, outras em estruturas improvisadas, sem acesso a serviços sanitários básicos, e correm o risco de contrair cólera e outras doenças oportunistas. As crianças não têm escola e as estruturas de saúde ainda têm de ser reconstruídas”, avalia Tigere Chagutah, vice-director para o Leste e Sul de África da Amnistia Internacional. “Com esta situação, os países mais ricos e doadores multilaterais deviam comprometer-se com mais dinheiro do que até agora, e garantir que esse financiamento chega aos que mais precisam”, apelou.

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