A última epidemia de peste no Porto foi há 120 anos

Na fase mais aguda do funesto fenómeno pestífero, alguns sectores clínicos e sociais colocaram a questão da veracidade da doença, o que lançou a descrença entre os portuenses. Por outro lado, a persistência do cordão sanitário, teria o condão de agitar ainda mais a discórdia, pois obrigava a que pessoas e mercadorias fossem rigorosamente inspeccionadas.

Foi há 120 anos, precisamente no Verão de 1899, que deflagrou um surto de peste bubónica no Porto, que causou várias mortes e obrigou as autoridades a declarar um cordão sanitário em volta da cidade, para impedir a propagação da síndrome pestífera, identificada como o bacilo de Yersin, que foi localizado em alguns das pessoas mortas e em ratos e gatos putrefactos na zona da Ribeira, mas que ficou, graças às fortes medidas sanitárias empreendidas, restringida à cidade do Porto.

A origem da notícia de que algumas mortes estranhas estavam a ocorrer na zona da Ribeira tinham chegado ao Dr. Ricardo Jorge, através de um bilhete simples, mas em grito de alerta, o que levou a que este médico e cientista tomasse como muito sério o seu conteúdo. Após a observação de um dos vitimados, que exibia uns bulhões debaixo dos braços e no pescoço, deslocou-se, ele mesmo, ao local onde a moléstia estava a manifestar-se para indagações.

Todavia, apesar desse cordão sanitário e outras medidas urgentes, de higiene e de saúde, implementadas em certas zonas da cidade e junto dos seus habitantes, não impediram que essa endemia, vitimasse algumas dezenas de portuenses e alastrasse a outras zonas altas da cidade, como a Rua de Santa Catarina.

Como já era habitual, atribuía-se a origem do “andaço” no Porto, a uma epidemia de peste que deflagrara na China em 1840, que não fora devidamente contida, tendo “desaguado” no Porto, em 1899, numa terceira vaga desse surto epidémico global. Em Portugal, o Porto era assim a única cidade atingida, onde o espectro da doença e da morte se propagou violentamente.

O epicentro dessa endemia, que Ricardo Jorge descobriu, reconhecendo-a como peste bubónica, denunciando-a perante as autoridades, a imprensa e a cidade, teve origem na Ribeira, junto ao rio Douro, na rua da Fonte Taurina. A primeira morte declarada foi um trabalhador da comunidade galega que prestava serviço de carrejão na descarga dos barcos do porto, de seu nome Gregório Blanco.

Por sua vez, o comércio e a indústria da cidade, que pressentiam os graves desarranjos económicos e financeiros que o cordão sanitário estava a impor à cidade, ripostaram com amargas palavras de ingratidão sobre Ricardo Jorge. Chegaram até a apedrejar-lhe a carruagem nas suas visitas médicas, pelo que teve de ser escoltado pela polícia.

Na fase mais aguda do funesto fenómeno pestífero, alguns sectores clínicos e sociais colocaram a questão da veracidade da doença, o que lançou a descrença entre os portuenses. Por outro lado, a persistência do cordão sanitário, teria o condão de agitar ainda mais a discórdia, pois obrigava a que pessoas e mercadorias fossem rigorosamente inspeccionadas.

Seguiram-se manifestações de rua com tumultos entre a população portuense. Houve greves do comércio como protesto pelas contrariedades sofridas com as medidas impostas.

No desenrolar deste surto, morreu o médico Câmara Pestana, o segundo médico a ser vitimado pela peste bubónica no Porto, o que causou vivo pesar entre a comunidade médica. Este médico, de 34 anos de idade, viera de Lisboa para investigar a epidemia que assolava o Porto, mas fora infectado com o bacilo de Yersin numa autópsia que fizera.

Entretanto, a fome instalara-se entre os habitantes do Porto, o que levou à tomada de medidas para a suster, como a distribuição gratuita de sopa à população através das cozinhas económicas, a que se juntaram os quartéis, que passaram também a distribuir o seu rancho à população necessitada.

David Pontes, na sua tese “O cerco da peste no Porto Cidade, imprensa e saúde pública na crise sanitária de 1899” a dado passo descreve que “o Porto não foi o único ponto da Europa a ser afectado pela terceira grande epidemia global de peste, (..).que se difundiu por todo o mundo”.

No rescaldo deste surto epidémico que ficou no plano nacional restringido à cidade do Porto, que provocou inquietação e pavor no governo e na comunidade médica, sobretudo entre a população, foi contido graças às medidas de saúde enérgicas impostas pelas autoridades, médicos e cientistas, mas mesmo assim, o Porto, “foi o último local da Europa que viveu a peste como uma verdadeira catástrofe, registando cerca de 320 casos e 132 mortes”.

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