O impacto do coronavírus no cinema mundial pode chegar aos 4,5 mil milhões de euros

Estreias adiadas, centenas de cinemas fechados, sessões fantasma, filmagens canceladas, negócios suspensos.

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Mulan, uma das estreias adiadas na China DR

Estreias adiadas, centenas de cinemas fechados em todo o mundo, salas quase fantasma, filmagens canceladas. O impacto do SARS-CoV-2​, vulgarmente conhecido como o novo coronavírus, na indústria do cinema está a levar a quebras imediatas nos resultados de bilheteira e a estimativas de perdas que podem ascender aos 4,5 mil milhões de euros em todo o mundo, mas sobretudo com o foco na Ásia.

As contas são de analistas citados pela revista Hollywood Reporter,  que estimam que as perdas podem ascender ou mesmo ultrapassar — basta o maior mercado de exibição mundial, os EUA, ser também vítima da quebra na afluência — os 4,5 mil milhões de euros. Os principais danos são sobretudo relacionados com a exibição de cinema nos países mais afectados pelo coronavírus, e que em alguns casos são mesmo dos mercados mais importantes do mundo. Não há prazo para regularizar a situação no que toca às decisões de empresas e autoridades, nem para a confiança da alguns espectadores regressar.

Os países mais afectados pela diminuição abrupta do número de espectadores são a China (segundo maior mercado do mundo), a Coreia do Sul (quinto maior mercado do mundo), Itália ou o Japão (terceiro maior mercado do mundo). Além de, no mundo do entretenimento, haver digressões de músicos adiadas para as suas porções asiáticas ou eventos promocionais ou de imprensa que passam a sessões de Skype ou de conferências via web, o fecho de cinemas, a fuga dos espectadores e o cancelamento de estreias nos importantes mercados chinês ou sul-coreano estão a ter um impacto directo no cinema.

Na China há 70 mil cinemas fechados e sem previsão de reabertura para os próximos meses. Uma gigantesca quebra nos resultados de bilheteira é palpável nos números: a revista Variety cita dados da analista de mercado cinematográfico Comscore que mostram como nos primeiros dois meses de 2020 a bilheteira chinesa lucrou apenas 214 milhões de euros (resultados brutos) contra os 1,8 mil milhões de euros que tinha encaixado em 2019. Só no último mês, o do Ano novo chinês e aquele em que o surto de Covid-19 se tornou conhecido, as receitas passaram de 1,5 mil milhões de euros em 2019 para meros 4,2 milhões de euros este ano.

Na Coreia do Sul a perda é de 70% em relação ao ano passado. “Os cinemas estão abertos, mas mais valia não estarem”, diz um distribuidor sob anonimato à Hollywood Reporter. “A situação é muito pior do que o que vimos durante o surto de MERS em 2015 [a síndrome respiratória do Médio Oriente — MERS-CoV]. Na altura houve uma quebra de público de mais de 40% mas não havia cinemas fechados e o mercado ressuscitou passado um mês”, diz à mesma publicação o responsável da Film Commission da Coreia do Sul. Os espectadores tendem a evitar as salas numa altura em que há já mais de 4800 casos no país, onde por exemplo a estreia de uma versão a preto-e-branco de Parasitas, o filme sul-coreano que historicamente arrebatou os Óscares este ano, foi adiada.

No Japão (980 casos confirmados esta terça-feira), estima-se que haja uma quebra de 10 a 15% no box office. Já em Itália, o maior foco europeu da nova doença, só no fim-de-semana passado a afluência aos cinemas italianos caiu 75% em relação ao mesmo fim-de-semana de 2019, por exemplo. Esta semana, em Itália há cerca de 850 ecrãs sem funcionar — o total no país é de 1830, recorda a Variety. As estreias de alguns filmes norte-americanos foram adiadas.

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Uma transeunte passa por um cinema encerrado há dias em Teerão, no Irão WANA/Nazanin Tabatabaee/REUTERS

Também na China as estreias de filmes norte-americanos para as próximas semanas e meses estão suspensas: foram adiadas as estreias de Mulan, 007: Sem Tempo Para Morrer, Dolittle, 191, Jojo Rabbit, Sonic o Filme; na Coreia do Sul, a estreia de Bora Lá, da Pixar, também está sem data. O adiamento de estreias globais simultâneas, nomeadamente falhando o importante mercado chinês, aumenta o risco de pirataria e da perda adicional de receitas.

Cancelamentos por todo o mundo

Olhar para o futuro é coisa difícil para já. Na capital chinesa, por exemplo, é preciso cumprir as directivas do Centro de Prevenção e Controlo de Doenças e do Gabinete Municipal de Cinema, que desde 26 de Fevereiro obrigam a que as autoridades aprovem previamente a entrada em funcionamento dos cinemas. Para reabrir é preciso que só sejam vendidos bilhetes em filas alternadas e só a espectadores que se identifiquem. Cada sala deve ser profundamente desinfectada logo após uma sessão e antes da seguinte.

Quanto a filmagens, recorda a Variety, se as equipas forem inferiores a 50 pessoas, estão quase automaticamente autorizadas a filmar em Pequim desde que a temperatura corporal dos trabalhadores não ultrapasse os 37 graus centígrados e que todos (excepto actores) usem máscaras. As equipas maiores estão ainda proibidas de trabalhar. “Olhando para a situação actual, a indústria do cinema não está equipada para retomar o trabalho”, admite Chen Bei, vice-secretário-geral do governo municipal de Pequim. Entre os filmes que ficam em suspenso está o próximo projecto de Jia Zhang-ke, como disse o realizador ao site IndieWire, cuja rodagem está adiada sine die.

Neste campo, e entre as primeiras vítimas profissionais de relevo do impacto do coronavírus estão as filmagens do próximo Missão: Impossível em Veneza, suspensas até nota em contrário.

A indústria ressente-se também no lado puramente negocial. A presença de compradores chineses em mercados do audiovisual como o MIPTV desta Primavera, à semelhança do que se verificou com a fraca adesão de distribuidores chineses no último Festival de Cinema de Berlim, deve ser escassa e podem perder-se assim acordos de distribuição importantes. Com cancelamentos ou adiamentos de eventos e feiras um pouco por todo o mundo, da Feira do Livro Infantil de Bolonha ao Salão do Livro de Paris, a Hollywood Reporter indica que o Festival de Cannes está ainda em cima da mesa e que os preparativos para o maior evento internacional do cinema continuam, ainda que atentos aos “desenvolvimentos e directivas das autoridades”.

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