Embaló dá posse a Nuno Nabian. Guiné-Bissau com dois chefes de Estado e dois chefes de Governo

Sissoco Embaló diz que não há “golpe” no país, Simões Pereira diz que actuação deste tem o patrocínio das forças armadas. PAIGC marca manifestação de apoio a Cipriano Cassamá, proclamado Presidente interino.

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Umaro Sissoco Embaló com a faixa presidencial LUSA/ANTONIO AMARAL

Adensa-se o caos institucional na Guiné-Bissau, onde há neste momento dois presidentes e dois primeiros-ministros. Neste sábado, Umaro Sissoco Embaló deu posse a Nuno Nabian, numa cerimónia no palácio presidencial que contou com a presença dos chefes dos três ramos das Forças Armadas e do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, Biagué Na Ntam.

Sissoco Embaló (Madem G-16), que a Comissão Nacional de Eleições declarou vencedor das presidenciais de Dezembro, marcou a sua tomada de posse para quinta-feira, apesar de decorrer no Supremo Tribunal um recurso do outro candidato, Domingos Simões Pereira (PAIGC), que considera ter havido irregularidades no processo eleitoral. 

A cerimónia da posse foi, por isso, anunciada como “simbólica" - e realizou-se num hotel de Bissau e não na Assembleia Nacional (parlamento), como determina a Constituição. Porém, também na quinta-feira, teve lugar outra cerimónia, no palácio presidencial, onde o chefe de Estado cessante passou os símbolos do cargo e os poderes a Embaló, que demitiu o primeiro-ministro Aristides Gomes, nomeando para o lugar Nuno Nabian, depois de consultadas as “forças políticas representadas na Assembleia Nacional”, diz o decreto presidencial assinado por Embaló na qualidade de Presidente, general e Chefe Supremo das Forças Armadas.

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Nabian, que era vice-presidente do parlamento e dirige a Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), partido que fazia parte da coligação governamental, apoiou Sissoco Embaló na segunda volta das eleições presidenciais, a 29 de Dezembro. Foi ele que deu posse a Embaló na cerimónia no hotel em Bissau.

Classificando esta movimentação política de “golpe”, o presidente da Assembleia Nacional (parlamento), Cipriano Cassamá, do PAIGC, tomou posse como Presidente interino, com base no artigo da Constituição que prevê que a segunda figura do Estado ascenda à presidência quando esta fica vaga - o que aconteceu com a saída de José Mário Vaz. Cassamá foi indigitado por 52 dos 102 deputados do parlamento.

Na sessão em que Cassamá tomou posse, Nabian foi destituído do cargo de vice-presidente do parlamento. 

Para Cassamá, que fala ao país domingo às 11h, Aristides Gomes continua a ser primeiro-ministro e tem um Governo em funções. Nuno Nabian, conforme determina o decreto de Sissoco Embaló, vai também nomear um gabinete. A Guiné-Bissau tem, portanto, um executivo que responde ao parlamento e vai ter outro a responder ao Presidente.

As decisões políticas de sexta-feira foram acompanhadas de movimentações militares, com tropas a ocuparem a rádio e a televisão públicas. As emissões continuam suspensas.

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Na manhã deste sábado, de acordo com testemunhos recolhidos pelo PÚBLICO, houve movimento de militares apenas junto da presidência durante a tomada de posse de Nabian, e a cidade de Bissau estava calma. À tarde, surgiram notícias da detenção do general Armando Nhaga, comissário nacional da Polícia de Ordem Pública, e da ocupação do Ministério do Interior por militares.

"Está evidente o patrocínio das forças armadas" 

“Agora está evidente o envolvimento e o patrocínio das forças armadas às acções do Umaro Sissoco Embaló”, disse este sábado ao PÚBLICO Domingos Simões Pereira. “Trata-se portanto de uma assunção do poder pela via da força. Ou seja, um golpe de estado. Isto é uma afronta às instituições republicanas e às leis do país, assim como à comunidade internacional. Esperemos que não demore muito mais tempo as reacções da CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental], União Africana e Nações Unidas. Se a moda pega...” 

A CEDEAO emitiu este sábado um comunicado em que “regista com grande preocupação a persistência de uma crise pós-eleitoral” e pede à Comissão Eleitoral e ao Supremo Tribunal para “cooperarem de maneira construtiva para pôr fim ao conflito eleitoral”. Pede também a todos que os actores do conflito para se inibirem de tomar decisões que agravem a situação.

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Questionado sobre a existência de dois presidentes e dois primeiros-ministros, e como vai reagir, Simões Pereira respondeu: “A questão não deve ser o que eu enquanto cidadão e mesmo enquanto candidato [vou fazer], mas como é que a soberania e a comunidade internacional deverá reagir a esse quadro. Não se pode tolerar tentativas de sequestro do Estado. Deve ser severamente sancionado e traduzido em justiça. Da minha parte, continuarei a accionar todos os dispositivos legais para combater todas as práticas antidemocráticas e promover a verdade e a justiça.”

O PAIGC convocou para este sábado uma manifestação de apoio ao Cassamá, prevendo-se que este se pronuncie sobre o que se passa na Guiné-Bissau ainda hoje.

"Não há golpe"

“Quero lançar um apelo à calma ao povo guineense, e dizer que contrariamente às informações que têm sido veiculadas por alguns sectores da comunicação social, a Guiné-Bissau não está a viver nenhuma situação do golpe de Estado”, afirmou Umaro Sissoco Embaló num discurso após a tomada de posse de Nuno Nabian como primeiro-ministro.

“Aliás, não foi tomada nenhuma medida de restrição dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, muito menos pôr em causa o normal funcionamento das instituições do Estado”, acrescentou, citado pela Lusa.

Explicou que decidiu em “uso dos poderes que a Constituição” lhe dá “pôr fim à anarquia, desordem e desrespeito aos órgãos de soberania, sobretudo ao Presidente da República, perpetrados por um Governo que, por determinação da Constituição da República, responde politicamente perante o chefe de Estado”.

Citado pela DW, Embaló justificou a demissão de Aristides Gomes com a"actuação grave e inapropriada” deste ao convocar o corpo diplomático no país, induzindo-o a não comparecer na tomada de posse e ao “apelar à guerra e sublevação em caso da investidura do chefe de Estado, que [Gomes] considera um golpe de Estado”.

Com Bárbara Reis

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